Pensionistas terão, durante os anos de 2022 e 2023, rendimentos superiores aos que resultariam da aplicação das regras de actualização das pensões. Reformas mais altas saem beneficiadas.
Depois de, há oito meses, ter anunciado uma medida que punha os pensionistas em risco de ficarem com rendimentos mais baixos no futuro, o Governo adoptou esta semana uma solução que garante que terão, durante os anos de 2022 e 2023, rendimentos superiores aos que resultariam da simples aplicação das regras de actualização das pensões previstas na lei. Este apoio extraordinário dado aos pensionistas em tempo de crise é, contudo, especialmente acentuado para quem recebe pensões mais altas, uma característica que contrasta com as ajudas focadas nos mais pobres em que o Governo tem apostado noutras áreas.
Nesta segunda-feira, algumas horas depois de ter sido apresentado o Programa de Estabilidade para os próximos quatro anos, o primeiro-ministro, António Costa, e a ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, anunciaram que, ao contrário do que tinha sido definido em Outubro do ano passado, a regra de actualização das pensões para 2023 irá ser aplicada integralmente, através de um aumento intercalar de 3,57% pago a partir de Julho.
Com esta medida, o Governo acabou por alterar, pelo menos em parte, a natureza da entrega extraordinária de meia pensão que tinha feito em Outubro do ano passado a cada beneficiário com um rendimento mensal até 5318 euros (12 vezes o Indexante de Apoios Sociais). Esse complemento não era mais do que um mero adiantamento de verbas, uma vez que os pensionistas acabavam na prática por, ao longo de 2023, “devolver” a meia pensão recebida. Isto acontecia porque, em simultâneo, o Executivo deixou de aplicar integralmente a regra de actualização prevista para as pensões (que resultava num aumento de 8,42% para as pensões mais baixas) e aplicou um aumento menor (4,83% para as pensões mais baixas).
Nesse cenário, na prática, aquilo que os pensionistas viriam a receber ao longo dos anos de 2022 e 2023 era exactamente igual ao que resultaria da aplicação integral da regra de actualização das pensões, com o problema adicional de que o ponto de partida para os aumentos de 2024 seria mais baixo.
Agora, ao decidir aplicar a fórmula de actualização integralmente a partir do próximo mês de Julho (garantindo que os aumentos de 2024 terão como base o valor correspondente à aplicação das regras de actualização de 2023, sem qualquer corte), o Governo acaba por transformar a meia pensão entregue em Outubro, não num mero adiantamento de verbas, mas, em parte, num valor extra entregue aos pensionistas.
Calculando o valor total que, com a medida anunciada, acabará por ser recebido pelos pensionistas ao longo dos anos de 2022 e 2023 e comparando-o com um cenário em que o Governo se limitava, desde o início, a aplicar as regras de actualização das pensões tais como estão definidas na lei, é possível verificar que há um ganho para todos os pensionistas (excepto os que tinham reformas superiores a 5318 euros e que não receberam a meia pensão em Outubro).
Assumindo que os subsídios de férias e de Natal deste ano serão pagos já com o aumento anunciado esta semana, o montante recebido nestes dois anos pelos pensionistas será maior do que o cenário alternativo num valor equivalente a cerca de 28% da pensão recebida em 2022.
Por exemplo, quem recebe uma pensão de 300 euros, vai receber ao longo destes dois anos – incluindo a meia pensão entregue em Outubro de 2022 – um total de 8839 euros. São mais 85 euros do que aquilo que resultaria da simples aplicação do mecanismo de actualização automática das pensões previsto na lei.
No caso de uma pensão de 400 euros, o valor adicional é de 113 euros, e, numa pensão de 500 euros, de 143 euros.
Estes são, na prática, os apoios adicionais dados pelo Estado a estes pensionistas durante a crise inflacionista.
A ministra do Trabalho já tinha assumido, em entrevista à SIC, que a solução encontrada dará mais rendimento aos pensionistas, estimando que a soma entre o complemento pago em Outubro do ano passado, a actualização das pensões em Janeiro de 2023 e o aumento intercalar pago a partir de Julho resultará num rendimento 25% acima do que resultaria da aplicação da fórmula de actualização.
Pensões mais altas saem a ganhar
Contudo, este apoio, ao contrário do que tem acontecido com outras medidas anti-crise tomadas pelo Governo, não é progressivo. A ajuda é sempre proporcional ao rendimento, sendo mais alta para quem recebe mais, e vai até escalões de rendimentos bastante elevados.
Assim, quem recebia uma pensão de 4000 euros mensais em 2022, por exemplo, acaba também por sair beneficiado com um rendimento ao longo de 2022 e 2023 que é superior ao normal em 1143 euros.
Um apoio desta dimensão supera, em termos absolutos, não só o dos pensionistas com menores rendimentos, mas também o que foi dado aos não pensionistas e que, por exemplo, apenas tiveram como apoio do Estado contra a crise inflacionista o cheque de 125 euros entregue em Outubro do ano passado (a que se somou o apoio de 50 euros por dependente até aos 24 anos).
Para os pensionistas com rendimentos mais baixos, a opção que acabou por ser seguida pelo Governo pode, aliás, acabar por os prejudicar, se se pensar que, caso não tivessem recebido a meia pensão e tivessem unicamente sido beneficiados com os aumentos previstos na lei, provavelmente também seriam elegíveis para o apoio extraordinário de 125 euros dado ao resto da população.
É o que acontece, por exemplo, no caso de uma pessoa com uma pensão de 300 euros que tem um apoio adicional de 85 euros, abaixo dos 125 euros pagos às restantes famílias.
Em Outubro do ano passado, o Governo excluiu os pensionistas do apoio dos 125 euros pelo facto de receberem o adiantamento de meia pensão. Mas criou uma cláusula de salvaguarda para as situações em que a meia pensão era inferior a esse valor, pagando-lhes a diferença.
Assim, um reformado com uma pensão de 200 euros recebeu os 100 euros correspondentes a metade da pensão e, depois, mais 25 euros.
Regras de actualização mantêm-se
Além de não saberem se perderiam rendimento de 2024 em diante, durante oito meses, os pensionistas viveram na incerteza quanto à forma como seriam actualizadas as suas reformas no próximo ano.
Em Setembro do ano passado, a ministra do Trabalho anunciou no Parlamento que a comissão para a diversificação das fontes de financiamento e sustentabilidade da Segurança Social iria avaliar também a fórmula de actualização das pensões. Na altura, e perante as perguntas dos deputados da oposição, Ana Mendes Godinho não revelou o que iria acontecer no próximo ano e disse que os aumentos dependeriam da evolução do ano de 2023 e dos contributos da comissão.
Em Março deste ano, o secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, voltou a confirmar que o Governo pretendia alterar os parâmetros da fórmula de actualização das pensões - para que seja “menos sensível aos picos da inflação” – e que a expectativa era ter uma decisão a tempo do Orçamento do Estado para 2024.
Nesta segunda-feira, o primeiro-ministro garantiu que, afinal, não será assim. No próximo ano, não haverá nenhuma alteração da fórmula de actualização das pensões, que seguirá as regras previstas na lei.
“Aquilo que temos constatado, durante os anos em que tivemos uma inflação anormalmente baixa, e em que foi necessário haver aumento extraordinário, ou no ano passado, em que houve um pico absolutamente anormal de inflação, é que a fórmula não é adequada. Daí a haver uma alteração vai um passo maior que a perna. Está a ser estudado e depois se verá. Em 2024, não há nenhuma alteração da fórmula”, insistiu.