21.11.22

O problema não é sermos muitos, é consumirmos demasiado

Paulo Narigão Reis, in Público online

Quase a chegar aos 8 mil milhões de humanos, está o mundo mesmo sobrepovoado? Mais do que excesso de população, o problema está, como defendem muitos cientistas, no excesso de consumo.

Interactivo. Oito mil milhões de humanos. Quantos havia quando nasceu?

Com o mundo prestes a alcançar a marca dos 8 mil milhões de habitantes, há perguntas a fazer: quantas pessoas cabem realmente no nosso planeta? E está o mundo, de facto, sobrepovoado? O debate sobre qual é o número ideal de seres humanos é antigo – remonta ao século XVIII – e polémico e, quando somamos mais um milhar de milhões, como acontecerá esta terça-feira, as opiniões voltam a dividir-se.

Na semana passada, a revista The Economist titulava: “A população atingiu os 8 mil milhões. Não entremos em pânico”. No artigo em causa, a publicação advoga que quer o medo da sobrepopulação quer da subpopulação são manifestamente exagerados. O planeta não está nem à beira do excesso de habitantes nem do inverso colapso populacional, mesmo que no primeiro caso, os dois últimos mil milhões tenham sido alcançados no espaço de doze anos cada (os 7 mil milhões entre 1998 e 2010 e os 8 mil milhões entre 2010 e 2022).

“Oito mil milhões de pessoas é um marco importante para a humanidade”, disse a chefe do Fundo de População das Nações Unidas, Natalia Kanem, numa declaração oficial, saudando ao mesmo tempo o aumento da esperança de vida e a diminuição do número de mortes maternas e infantis.

“Ainda assim, percebo que este momento poderá não ser celebrado por todos”, acrescentou Kanem. “Alguns expressam a preocupação de que o nosso mundo está sobrepovoado. Estou aqui para dizer que o grande número de vidas humanas não é motivo de medo”.

Para muitos especialistas na matéria, dizer que o mundo tem gente a mais é estar a colocar a questão errada. “Muitos para quem, muitos para quê? Se me perguntarem se eu estou a mais? Digo que não”, afirma Joel Cohen, do Laboratório de Populações da Universidade Rockefeller, em Nova Iorque, citado pela agência France-Presse.

Para o cientista, a questão de quantas pessoas pode suportar o mundo tem dois lados: os limites naturais e escolhas humanas. Que estão ambos ligados: “As nossas escolhas fazem com que os humanos consumam muito mais recursos biológicos do que o planeta é capaz de regenerar a cada ano”, acrescenta Cohen.

O mais recente relatório climático da ONU menciona o crescimento populacional como um dos principais responsáveis pelo aumento das emissões de gases de efeito de estufa, ainda assim menor do que o crescimento económico. Mais do que excesso de população, o problema está, como defendem muitos cientistas, no excesso de consumo.

“Estamos a consumir os recursos renováveis de 1,7 planetas Terra. Se as coisas não mudarem, precisaremos de três até 2050. À medida que mais pessoas exigem mais da natureza, pioramos a já catastrófica perda de biodiversidade, acelerando a escassez de água, poluição e desmatamento”, escreveu Robin Maynard, director da organização Population Matters, sediada no Reino Unido, no jornal Guardian, no mês passado.

Ainda assim, Maynard defende que oito mil milhões de pessoas no planeta é um número que começa a ser incomportável, inclusivamente para as outras espécies. “Os governos, os organismos internacionais e as sociedades não podem ignorar o papel da população no que diz respeito ao clima, à vida selvagem e aos colapsos dos ecossistemas que hoje enfrentamos”, considera.

Mas, se em vez de tentarmos ajustar o número de pessoas que habitam o mundo, virarmos o foco antes para para o que fazemos, o que consumimos, a pegada que deixamos? A quantidade de recursos que cada pessoa consome no seu dia-a-dia tem mais impacto do que o número de humanos sobre a Terra, isto num mundo em que, estima a ONU, um terço dos alimentos que produzimos é desperdiçado a cada ano.

E, aqui, a “culpa” é dos países mais ricos que, para além de consumirem mais, têm taxas de natalidade menores do que as nações mais pobres. Ou seja, reduzir o consumo individual pode ser a receita para reduzir a pegada da humanidade sem esmagar o crescimento dos países menos desenvolvidos.

Um estudo da Oxfam publicado em 2015 estimava que a pegada ecológica de quem faz parte do 1% com os maiores rendimentos era, pelo menos, 175 vezes maior do que alguém nos 10% mais pobres. Segundo a ONU, os países pobres e de rendimento médio-baixo, de onde virá 90% do crescimento populacional na próxima década, são responsáveis por apenas um sétimo das emissões mundiais de dióxido de carbono.

“O problema é a extrema desigualdade, o consumo excessivo dos ultra-ricos do mundo e um sistema que dá prioridade aos lucros em relação ao bem-estar social e ecológico. É aqui que devemos focar nossa atenção”, afirma Heather Alberro, especialista em desenvolvimento sustentável na Universidade de Nottingham Trent, no Reino Unido, citada pelo site The Conversation.

Até porque, na realidade, a população humana não está a aumentar exponencialmente, antes a desacelerar. Na tendência actual, a população global chegará aos 9 mil milhões em 2037 e atingirá o pico em 10,4 mil milhões entre 2080 e 2100, sendo que metade do crescimento projectado entre 2022 e 2050 ocorrerá em apenas oito países, cinco deles em África (República Democrática do Congo, Egipto, Etiópia, Nigéria e Tanzânia) e três na Ásia (Índia, Paquistão e Filipinas). E se no próximo ano a Índia irá, provavelmente, ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo, este ano, o continente africano já superou as populações combinadas da Europa e América do Norte.


Num país a perder população, o desafio é atrair trabalhadores

Raquel Martins, in Público online

Num mundo que esta semana chegou aos oito mil milhões de habitantes, Portugal debate-se com uma perda acentuada da população e um acelerado envelhecimento. Esta realidade irá agravar-se nas próximas décadas, obrigando o país a delinear políticas de atracção de mão-de-obra imigrante e de retenção de trabalhadores, para conseguir alimentar o seu mercado de trabalho e sustentar o sistema de protecção social.

Dorothea Schmidt-Klau, investigadora e especialista em envelhecimento na Organização Internacional do Trabalho (OIT), começa por sublinhar ao PÚBLICO que o crescimento demográfico é assimétrico e há “discrepâncias enormes” entre as várias regiões do globo, com impactos muito diversos no mercado de trabalho.

Por um lado, “temos regiões que estão a ficar cada vez mais jovens, principalmente em África, onde há uma elevada proporção de jovens a entrar na força de trabalho”. E, por outro, temos “sociedades envelhecidas, especialmente na Europa”, em que há mais pessoas a sair do mercado de trabalho do que a entrar e os que saem vivem muito mais tempo.

“Uma criança nascida hoje na Europa tem 50% de hipóteses de chegar aos 100 anos de idade e isso tem um enorme impacto nos rácios de dependência da velhice”, alerta.

Portugal está na linha da frente dos países que estão a perder população, a envelhecer mais rapidamente e a ver a sua força de trabalho encolher. O número de residentes caiu 2,1% para cerca de 10,3 milhões em 2021, o país tem agora 182 idosos por cada 100 jovens e, entre 2008 e 2021, a população activa recuou 382,8 mil pessoas e é agora inferior a 5,2 milhões (no contexto europeu, só a Roménia, que teve um recuo de 1,7 milhões na população activa, e a Grécia, com perdas de 392,5 mil pessoas, estão numa situação pior).

Perante este cenário, problemas que hoje já se fazem sentir, como a falta de mão-de-obra em determinados sectores e a dificuldade em reter uma população jovem cada vez mais qualificada, tenderão a agravar-se.

Para Francisco Carballo-Cruz, economista e professor na Universidade do Minho, o principal desafio dos estados com o perfil de Portugal “é encontrar fórmulas que permitam delinear políticas de imigração adaptadas às características do país e às necessidades do seu mercado de trabalho”.

“Em Portugal, o défice de mão-de-obra é um problema transversal à maioria dos sectores da economia, que afecta quer ocupações pouco qualificadas, quer ocupações altamente qualificadas, especialmente em sectores ligados às novas tecnologias. Sem boas condições de trabalho e sem remunerações competitivas será difícil atrair mão-de-obra imigrante, porque no actual contexto, na União Europeia, existe uma elevada concorrência pela mão-de-obra em geral e pela mão-de-obra imigrante em particular”, alerta.

Outro desafio, acrescenta, é conseguir “manter os trabalhadores portugueses no país, especialmente em sectores onde o atractivo das remunerações noutras economias da União Europeia é um forte incentivo para emigrar”.

Paulo Marques, investigador e coordenador do Observatório do Emprego Jovem (OEJ), partilha destas preocupações. E além da falta de mão-de-obra em sectores como a hotelaria ou a agricultura, alerta para a necessidade de a economia portuguesa crescer em sectores mais intensivos em conhecimento, que permitam absorver uma população jovem cada vez mais qualificada. “Mesmo aí vamos ter de ser também capazes de atrair e reter pessoas e isso passa pela habitação, pelo acesso aos cuidados de saúde ou pela qualidade do emprego”, sublinha.
Olhar para os mais velhos e antecipar necessidades

Além da inclusão de trabalhadores vindos de outros países, Dorothea Schmidt-Klau considera que a falta de mão-de-obra nas sociedades a braços com um envelhecimento galopante pode ser ultrapassada recorrendo a grupos arredados do mercado de trabalho, através de uma maior participação das mulheres ou aproveitando o potencial dos trabalhadores mais velhos.

“Uma das coisas mais urgentes a fazer é superar a discriminação etária nos mercados de trabalho. As pessoas mais velhas têm a reputação de serem caras, muitas vezes doentes, menos inovadoras, mais lentas. Mas estudos mostram que, com organizações do trabalho flexíveis, muitos idosos estariam disponíveis para trabalhar por menos, que na verdade eles não têm mais dias de baixa em comparação com os outros trabalhadores e muitas inovações são, na verdade, o resultado da longa experiência de trabalho dos idosos”, recomenda.

Para Francisco Carballo-Cruz, há também muito a fazer no planeamento e defende que os países com défice de trabalhadores deveriam apostar na melhoria dos processos de ajustamento no mercado de trabalho, através do reforço dos mecanismos de antecipação de necessidades de mão-de-obra.

Ao mesmo tempo, “os instrumentos de fiscalização deveriam estar melhor dotados para evitar abusos e melhorar a organização dos fluxos de trabalhadores” e “as políticas sociais de facilitação da integração de imigrantes e suas famílias deveriam ser uma das principais prioridades” dos governos.

Nos países onde o crescimento demográfico se manifesta com maior intensidade, a principal dificuldade está em acomodar um elevado número de jovens no mercado de trabalho. Só para se ter uma ideia, nota o investigador Paulo Marques, as taxas de desemprego jovem podem chegar aos 64% na África do Sul, aos 50% na Líbia ou aos 34,3% em Cabo Verde.

“O que vemos nos países em desenvolvimento é que o crescimento populacional leva ao crescimento do emprego. Mas quanto mais pobre é o país e quanto maior é a pressão populacional, mais provável é que o emprego criado seja de baixa qualidade. Os empregos criados nestas circunstâncias são geralmente na economia informal, onde as pessoas são mal remuneradas, não têm protecção social, os seus direitos não são respeitados e não têm voz no trabalho”, lamenta a especialista da OIT, lembrando que “o crescimento populacional e as mudanças demográficas são um dos principais motores do emprego” para o bem e para o mal.

Para quem mora sozinho, a vida é cada vez mais “pesada”

Andreia Friaças (Texto), Daniel Rocha, Paulo Pimenta, Nuno Ferreira Santos e Rui Gaudêncio (Fotografias), in Público online

A inflação traz novas dificuldades — mas para quem vive sozinho, o embate é maior. “Sinto-me sem esperança. Vejo-me a aproximar dos 30 anos e penso: o que é que estou aqui a fazer?”

Na viragem do século, Ana Gariso deixou a sua terra, Leiria, para estudar em Lisboa, na Faculdade de Letras. Chegou sem grandes planos; queria apenas aproveitar os espectáculos, os museus e as galerias de arte da cidade. Mas vinha, acima de tudo, com outro desejo. “Viver sozinha e ser livre”, diz. No entanto, seguiram-se duas décadas de obstáculos.

Saltou entre vários empregos precários — desde fazer traduções a ser guia turística —, mudou de casa oito vezes e teve mais de 30 colegas de casa. Aos 44 anos, já partilhou morada com namorados, amigos e desconhecidos. “Com desconhecidos foi o pior. Tinha quase 40 anos e não me sentia bem em ir para casa, porque estavam lá pessoas com quem não me dava bem e não queria encontrar”, recorda.


Há dois anos, surgiu uma oportunidade. Ana conseguiu uma bolsa de doutoramento em Ciências da Comunicação, que lhe garante um ordenado fixo durante quatro anos – conseguindo, finalmente, arrendar uma casa sozinha. No entanto, é incerto até quando. “Viver sozinha torna-se cada vez mais pesado e começo, novamente, a ter dificuldade em pagar tudo.”

O cenário é mais do que conhecido: o valor das rendas continua a disparar de ano para ano e os salários não crescem ao mesmo ritmo. Ao mesmo tempo, as dificuldades acrescem com a inflação — e para quem está sozinho, a carga é maior.

“Esta inflação é especialmente má para pessoas que vivem sozinhas”, afirma Susana Peralta, professora de Economia na Nova SBE. Como a inflação está concentrada, por exemplo, nos gastos da casa — como a conta da electricidade — ou no combustível, estas despesas acabam por pesar menos, quando se divide uma habitação. “Ultimamente, viver sozinho tornou-se quase um luxo. Mas, na realidade, devia ser um direito”, conclui Ana.

Quando viver é um “quebra-cabeças”

Nos últimos anos, Ana Gariso nota que a vida está cada vez mais cara. Basta olhar para as rendas: em cinco anos, as rendas em Lisboa aumentaram cerca de 50%, empurrando as pessoas com salários mais baixos para as periferias. “Eu pago 500 euros de renda, que para os dias de hoje é bastante acessível. Mas o meu contrato é renovado todos os anos e em qualquer altura pode acabar”, receia Ana, que viu recentemente o apartamento do andar de cima, com a planta igual à da sua casa, ser arrendado a 900 euros. “Um dia que tenha de sair desta casa, provavelmente tenho de sair de Lisboa. Neste momento não há aqui casas que se consigam arrendar com um salário médio.”

“Sei que só consigo viver sozinho porque estou numa cidade pequena”, começa por dizer Élson Teles, de 30 anos. É natural da ilha da Madeira, mas vive em Rio Maior há cinco anos. Foi nesta pequena cidade no distrito de Santarém que conseguiu vaga para ser professor de Educação Física.

Com pouco mais de 800 euros por mês, consegue viver sozinho num pequeno T1, mas ultimamente a vida tem sido um “quebra-cabeças”. “É uma luta diária tentar perceber onde é que devo gastar menos”, lamenta Élson, que nota diferença, desde logo, nas idas ao supermercado. “A minha alimentação mudou. Tudo aquilo que fica entre refeições, sejam bolachas ou outros snacks, já não compro como gostava. E a proteína… antes escolhia a carne de que gostava, agora é a que estiver mais barata.”

No seu caso, Ana também organiza as suas idas ao supermercado em torno das promoções e já não comete as “extravagâncias” de comprar alimentos como bacalhau ou salmão. Ainda assim, o dinheiro que resta ao final do mês não chega para amparar os imprevistos. “A minha máquina de lavar deixou de funcionar e tive de pedir uma máquina nova aos meus pais”, diz Ana, de 44 anos.

Por outro lado, os momentos de lazer deixaram de entrar na equação. Há seis anos que Ana não faz férias, nem mesmo dentro do país. “Não é fácil para a saúde mental”, afirma. Já Élson visita a Madeira todos os verões, mas apenas porque os pais pagam a viagem. “A última vez que viajei para fora foi há 11 anos, no meu primeiro ano de faculdade”, recorda.

Hoje em dia, mesmo em curtas distâncias, Élson pensa “duas vezes” antes de fazer alguma coisa que implique gastar dinheiro em gasolina. “Já não vou ter com os amigos ou passear só porque me apetece”, explica. Há um ano que descobriu o gosto pelo padel, mas também pratica cada vez menos. “Sempre que vou fico com o sentimento de que não devia ter gastado o dinheiro na gasolina ou no campo”, diz. “Mas é a única coisa que faço fora da rotina casa-trabalho.”
Entre os tombos e a sorte

Rita Umbelino considera-se um dos “casos de sorte”. Conseguiu comprar casa há quatro anos — e se antes era difícil dar este passo, agora reconhece que o cenário é “praticamente impossível”, admite Rita, de 34 anos.

Em 2006, deixou a sua casa na Chamusca, uma vila no distrito de Santarém, e mudou-se para Lisboa para estudar marketing, publicidade e relações públicas. Já na altura, passava os dias a correr: tinha de conciliar as aulas com dois empregos em part-time, em call centers, para pagar as contas. Desde então, passaram-se mais de dez anos “aos tombos”: acumulou vários empregos precários, muitas vezes a recibos verdes, e sempre a fazer uma “ginástica” para o dinheiro chegar ao final do mês.

Ao longo de três anos, enquanto partilhou casa com o seu namorado, conseguiu o apoio da Porta 65, um subsídio de arrendamento jovem. No entanto, em 2018, quando a relação terminou, perdeu este apoio e começou o “pesadelo” de voltar a procurar casa. Os preços em Lisboa já eram “impossíveis” para Rita, que teve de se mudar para Sacavém. Na altura, queria deixar de viver ao sabor das vontades dos senhorios e fugir da instabilidade do mercado de arrendamento e conseguiu, finalmente, comprar casa, depois de pedir um empréstimo ao banco. “Sei que só consegui porque tive a ajuda do meu pai. Se não, não sei o que teria feito.”

Comprar casa: a importância da família

O estudo de Novembro de 2019 da Fundação Calouste Gulbenkian, intitulado Habitação Própria em Portugal, mostra que a habitação própria tem sido fundamental para analisar a situação das desigualdades sociais. Neste caso, a família é uma das principais fontes de apoio financeiro para que os jovens consigam comprar casa. Ainda assim, entre os jovens abaixo dos 30 anos que são titulares de alojamento, apenas 24% são donos de habitação própria — nos outros casos são arrendatários ou têm habitações cedidas.

Finalmente, este ano, Rita viu a sua situação a melhorar. Conseguiu um novo emprego — em produção de conteúdos — que lhe permite chegar ao final do mês com menos preocupações. Mas, ao mesmo tempo, com o fim da pandemia, a guerra na Ucrânia e a inflação, volta a sentir o cerco a apertar-se. “A vida voltou a estar mais cara, mais difícil. Fico revoltada, porque parece que a minha geração nunca consegue estar mesmo descansada.”

Não é “capricho”. É liberdade

Ao contrário de Rita, para muitos jovens, comprar ou arrendar casa sozinho continua a ser uma luta — e um caminho espinhoso. É o caso de Marco Pereira, de 29 anos, natural de Castelo Branco. “Gostava de ter direito ao meu espaço e à minha privacidade, mas essa ideia já saiu do meu imaginário”, diz Marco, que salta de quarto em quarto, em Lisboa, há dez anos.

Além da subida do valor das rendas, o seu principal obstáculo é a precariedade laboral. Depois de se licenciar em Ciências da Comunicação, rodopiou por várias áreas — desde a restauração à farmacêutica —, com contratos instáveis e muitas vezes recebendo pouco mais do que ordenado mínimo. “Estar constantemente a mudar de área dá uma sensação de estar sempre a começar do zero. Isso dificulta a emancipação, porque nunca consegui sequer juntar um pé-de-meia”, diz Marco, que continua a receber ajuda dos pais todos os meses.

Raquel de Lima partilha uma história semelhante. Também tem 29 anos e mudou-se em 2012 de Albufeira para o Porto para estudar Teatro. “Gostava muito de viver sozinha, mas a minha vida é tão instável que no máximo só penso até ao mês seguinte”, diz Raquel, que, na companhia da sua gata, continua a partilhar casa com outras pessoas.

“Nos próximos anos, não penso ter casa, nem filhos, enquanto esta for a minha situação”, diz Raquel, que aguarda, este mês, pelos resultados dos concursos abertos pela Direcção-Geral das Artes, para saber que trabalho terá no próximo ano.

Embora o custo de vida das cidades seja cada vez mais difícil de acompanhar, Raquel não pensa em sair do Porto. “É aqui que tenho a minha rede, os meus amigos. Preocupa-me um dia ter de sair da cidade”, admite. Também Marco lamenta que Lisboa tenha sido “tomada de assalto”, onde “só pessoas ricas” possam viver. Ainda assim, não quer voltar para Castelo Branco. “Foi em Lisboa que saí do armário, foi aqui que eu nasci de certa forma. Conheci as pessoas e ambientes que me permitiram ser eu e deixar de viver em personagem”, diz Marco. “Para mim, não é um capricho viver aqui. É liberdade.”
Programas “insuficientes”

Para estes jovens, é evidente a falta de apoio no arrendamento e compra de casa. No mês passado, por exemplo, o Governo apresentou um pacote de medidas para reduzir o impacto da inflação com o lema “Famílias Primeiro”. “E para os jovens? E para quem vive sozinho?”, questiona Rita Umbelino.

Em casa dos pais

Desde 1974 que o direito à habitação integra a Constituição da República Portuguesa. Se nos anos 80 se assistiu à emergência de políticas de incentivo à compra de habitação, principalmente para jovens, hoje em dia o cenário é muito diferente. Basta olhar para os dados: segundo o estudo Habitação Própria em Portugal, cerca de 69,8% dos jovens actualmente entre os 18 e 34 anos permanece na casa dos pais. Feitas as contas, Portugal é o terceiro país da União Europeia com mais jovens a morar na casa dos pais — apenas ultrapassado por Itália e Grécia.

Como explica a economista Susana Maximiano, professora no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, actualmente não existem apoios de arrendamento destinados a quem vive sozinho, embora quem esteja nesta situação se possa candidatar aos programas de arrendamento já existentes — como o Porta 65, destinados a jovens, ou o arrendamento acessível, destinado a todas as pessoas. “O problema é que estes programas são insuficientes e não chegam a toda a gente”, acrescenta Susana Peralta.

No que diz respeito a estes apoios, é fundamental saber “se existe uma proporção igual de tipologias de casas para pessoas singulares ou a viver em conjunto, para que haja igualdade no acesso à medida”, corrobora a economista Sandra Maximiamo, acrescentando que, em geral, pessoas casadas ou em união de facto “pagam em média menos imposto do que o imposto de uma pessoa singular”.

“Eu pago mais de renda e de despesas estando sozinha e não sinto que existam apoios a pensar nesta situação”, exemplifica Ana. “As taxas que são aplicadas aos vencimentos, os descontos… não existe muita diferença entre aqueles que são casados ou solteiros. Isso acaba por nos prejudicar”, corrobora Élson. “E, quando se pensa em comprar casa, sabemos que é mais fácil, se for um casal”, acrescenta Raquel, alertando para os novos obstáculos no acesso aos créditos a habitação, depois de terem sido impostos novos limites sobre o prazo.
“A sociedade está feita para casais”

Se olharmos à volta, a falta de apoios é apenas um exemplo. “Toda a sociedade está feita para casais. Não se pensa que há pessoas que simplesmente querem e gostam de viver sozinhas”, afirma Rita.

Ana Gariso e Raquel também sentem esta pressão social. “As pessoas não deviam ter de viver a vida a pares para serem independentes”, lamenta Raquel. “Se vives sozinho, és visto como uma pessoa incompleta, é como se te faltasse algo”, acrescenta Ana. “Mas é preciso aceitar que estar sozinho é uma escolha como outra qualquer.”

Na opinião da economista Sandra Maximiano, a sociedade portuguesa sempre esteve, de alguma forma, direccionada para o “emparelhamento”. Se antigamente pesavam mais os motivos religiosos, agora as sociedades ocidentais “vivem a pressão da sustentabilidade demográfica”. “É natural que se criem incentivos que promovam a natalidade e que dessa forma sejam dirigidos a famílias não singulares”, considera.

Mas, não obstante ao facto de existir “uma opção política de beneficiar as famílias mais tradicionais e com filhos”, a economista também considera necessário haver apoio para quem vive noutra situação. “Seria importante possibilitar um crédito bonificado para quem quer adquirir casa sozinho. No que respeita a apoios concretos na conjuntura actual inflacionista, a medida de 125 euros, por exemplo, poderia ter sido ajustada para o caso de pessoas singulares”, exemplifica.

Medo do futuro

A luta por uma casa, pela privacidade e estabilidade é exaustiva — e influencia a saúde mental. “Tem impacto na minha vontade de acordar para ir trabalhar”, confessa Élson. “Trabalho com crianças, mas é difícil continuar alegre nas aulas, quando passo os meses ansioso. Chego à segunda semana do mês à rasca. É uma preocupação que não desaparece, nem quando vou dormir”, conta.

“Há uma sensação de perda de qualidade de vida gigante, de retrocesso. Tenho episódios depressivos, de falta de esperança. Parece que há uma nuvem que faz com que não seja fácil fazer planos a longo prazo”, acrescenta Ana.

Já para Marco, é angustiante lidar com o fosso que se formou entre aquilo que idealizou para a sua vida e o seu dia-a-dia. “Sinto que a nossa geração foi completamente iludida com um discurso de que se tivéssemos uma licenciatura teríamos uma vida digna e autónoma”, afirma. “Tudo isto nos deixa num lugar de tristeza em que queremos dar um passo em frente e não conseguimos”, diz Marco que, nos últimos anos, tem sessões de psicoterapia todas as semanas.

Por outro lado, esta instabilidade faz adiar outros planos. Ana sempre teve o sonho de adoptar uma criança, mas não consegue sustentar uma família. “Sei que nunca vou poder adoptar. Não estando em casal, não tendo uma situação estável, não é possível.”

Também Élson olha com medo para o futuro. “Tenho medo de não poder criar família, de não ter uma casa minha. Se continuar a ser professor, as minhas expectativas são muito baixas.” No futuro, pensa em mudar de área e dedicar-se à informática, mas, por enquanto, com a inflação a apertar cada vez mais, quer encontrar um part-time, para conciliar com as aulas. “Tenho receio de ficar numa situação em que tenha de voltar a dividir casa.”

“Sinto-me sem esperança. Vejo-me a aproximar dos 30 anos e penso: o que é que estou aqui a fazer?”, diz Marco, que tem pensado cada vez mais em emigrar. “Só não o faço já porque a solidão assusta-me”, garante. Independentemente de onde esteja, para o futuro, ainda guarda um sonho. “Poder relaxar. Deixar de passar os meses a contar tostões.”

Ana Gariso também quer manter a esperança, mas não é fácil. “Tenho medo de ter de agarrar na tralha toda e não saber para onde ir, de envelhecer sozinha num sítio onde não conheço ninguém. Sinto muito mais vezes uma solidão que antes não sentia.” No seu caso, quando terminar a bolsa de doutoramento, com 46 anos, não terá direito ao subsídio de desemprego. “Não sei como será a minha vida. Mas tento não ir abaixo”, diz. “Penso: se tiver de voltar a dividir casa, divido. Tenho de me aguentar.”

Banco Alimentar alerta para aumento dos pedidos de ajuda. “Vão superar os da pandemia”

Henrique Cunha, in RR

Nova campanha do Banco Alimentar Contra a Fome a 28 e 29 de novembro. Responsável do Porto alerta que “existem cada vez mais pedidos de apoio das pessoas”.
A presidente do Banco Alimentar do Porto (BAP) alerta para a possibilidade de um aumento "exponencial de pedidos de ajuda", prevendo-se mesmo que "os números superem os que existiram na pandemia".

A recém-eleita presidente do BAP, Barbara Barros, diz à Renascença que a inflação está a fazer disparar os pedidos de apoio e revela que, neste momento, tem uma lista de espera de ”120 instituições”.

A responsável afirma que “existem cada vez mais pedidos de apoio das pessoas” e que, por isso, “as instituições começam a ficar com mais necessidade de produtos alimentares”.

“Falamos neste momento de uma lista de 120 instituições com tendência a aumentar. É um aumento exponencial. Calculamos que vá superar os números que existiram na pandemia”, antecipa, a responsável do BAP.

Bárbara Barros lembra ainda que a inflação não se reflete, apenas, nos bens alimentares, mas atinge também “os transportes, os combustíveis e reflete-se nos empréstimos bancários da habitação”, por isso “as famílias estão a atravessar uma dificuldade muito grande”.

“Muitas vezes chegam-nos famílias que não estão habituadas a não pedir este apoio”, acrescenta.

Nesta altura, o Banco Alimentar do Porto “apoia 300 instituições, mais de 58 mil pessoas, num total de 5.595 famílias”.

A uma semana de mais uma campanha de recolha dos Bancos Alimentares, Bárbara Barros apela à solidariedade, porque a fome é uma realidade.

“Neste momento há”, responde à pergunta, sobre se há fome em Portugal. E, insiste “nós continuamos a achar que em Portugal não há fome, mas nós continuamos a dizer que os Bancos Alimentares já apoiam 400 mil famílias; é um número muito grande”.

A responsável sugere que “só não haverá fome se nós continuarmos a dar o apoio, se continuarmos a ser solidários, se olharmos para o lado, e se podermos contribuir de qualquer maneira, seja a nível voluntário, seja a nível de contribuição no supermercado, seja a nível de contribuição de empresas”.

“Caso contrário”, sublinha, Bárbara Barros, “ficamos neste momento numa situação muito delicada, porque a inflação está a aumentar e nos bens alimentares tem sido uma loucura, um aumento permanente”.

“As instituições de encarceramento são racistas”


Cristina Roldão(texto) e Diana Tinoco(fotografia), in Público online

Angela Davis e Gina Dent visitaram a cadeia do Linhó, falaram para uma plateia em Lisboa, estiveram na Cova da Moura e foram entrevistadas pela académica Cristina Roldão, que é colunista do PÚBLICO.

Angela Davis e Gina Dent estiveram em Portugal a convite do Leffest — Lisbon & Sintra Film Festival, no qual na passada terça-feira, no Teatro Tivoli, falaram sobre abolicionismo penal para uma sala cheia e entusiasmada. Lá fora, a voz de ativistas abolicionistas e faixas de apoio ao caso de Danijoy, Daniel e Miguel lembravam a concretude do que se ia discutir naquela noite. Um dos seus panfletos chegaria às mãos de Angela Davis. Esta partilharia com a audiência a sua visita ao Estabelecimento Prisional do Linhó, onde a maioria dos homens presos é negra. Com eles discutiu o filme Killer of Sheep de Charles Burnett, que passou no festival na secção L.A. Rebellion.

Antes de voltar a casa, Angela Davis e Gina Dent estiveram num encontro com ativistas do movimento negro e antirracista, em solidariedade com Alice Santos (mãe de Danijoy Pontes) e Cláudia Simões, ambas presentes, e com Deisom Camará e Mamadou Ba. Numa semana marcada pelo debate sobre o discurso de ódio e discriminação na polícia, o tema da violência policial e carcerária trazido por Angela Davis e Gina Dent dificilmente poderia ter sido mais propício.

Enquanto cá estiveram, procuraram desnaturalizar a existência da prisão, mostrar o encadeamento entre o “complexo industrial prisional” e o capitalismo, o racismo e o patriarcado, rebater os argumentos de quem desconhece que o que enche as cadeias são pequenas infrações e não o crime violento. Explicar a diferença entre o que no seu mais recente livro, Abolition. Feminism. Now., consideram ser “reformas reformistas” e passos intermédios para a abolição. Inspiraram-nos a imaginar um mundo sem prisões.

Antes de entrarmos na questão abolicionista propriamente dita, ou talvez já entrando nela, e sabendo que esta é a vossa primeira visita a Portugal, perguntava-vos como é que este país, a sua história, as suas lutas políticas chegaram primeiramente até vocês?
Angela Davis — Existem inúmeras referências para mim que, claro, remontam aos movimentos de libertação africanos e à luta pela descolonização de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo-Verde e São Tomé e Príncipe. Essa foi a minha primeira grande referência sobre Portugal — Portugal enquanto um império colonial, contra o qual lutavam forças como o MPLA e o PAIGC. E quero enfatizar que, para o movimento negro nos EUA, a luta contra o colonialismo português foi sempre uma grande referência, mesmo ao nível da nossa organização local. Hoje, quando cheguei ao Bairro da Cova da Moura vi um mural maravilhoso do Amílcar Cabral, e no encontro em que lá participei alguém discutia o impacto do seu pensamento. Para mim, o que era especialmente impressionante era o modo como ele reconhecia a importância do envolvimento das mulheres na luta, a importância da sua liderança, muito antes de isso se ter tornado um tema político central. Eu sempre me senti atraída pelas suas ideias, pelos movimentos políticos em Cabo Verde, Guiné-Bissau, precisamente por causa disso.

Gina Dent — No meu caso, se calhar vou falar através de um outro ângulo, e que reporta à minha relação e da Angela com o Brasil. O meu primeiro entendimento sobre a colonização portuguesa e sobre a América Latina surge enquanto eu fazia Estudos Portugueses, sobretudo, Estudos Brasileiros, e aprendia português do Brasil. Foi assim que vim a perceber, através desse processo de aprendizagem, do estudo da língua, a forma como o racismo linguístico operava. Comecei ali a aprender, muito rapidamente, sobre o racismo português, através da racialização da língua, de como o português do Brasil é tratado de forma diferente. Aprendi muito sobre Portugal através do estudo da literatura brasileira. Vários anos depois, eu e a Angela começámos a viajar para lá e a ensinar lá. Foi no contexto desse mundo que começou o meu contacto com Portugal, com o lusotropicalismo, com a romantização do passado colonial. Aliás, esses estudos foram quase a minha introdução à análise do racismo, pois foram antes de enveredar pelos Estudos Negros dos EUA.

Angela Davis — E hoje não sei se posso dizer que tenho um conhecimento profundo sobre os movimentos em Portugal, mas, como é óbvio, ouvimos falar muito de Portugal durante a era do Occupy Wall Street. Os movimentos no Norte de África e em Portugal [Primavera Árabe e Que se Lixe a Troika] ajudaram a inspirar um envolvimento mais global com o anticapitalismo. E sei que há um movimento bastante evidente contra a violência policial, a violência policial racista. É uma questão que atravessa toda a Europa, todo o mundo. Eu e a Gina temos estado envolvidas em reuniões com movimentos semelhantes na Alemanha, em França e, há algum tempo, no Reino Unido. Mas eu não sei se poderia ter imaginado a vibração e a seriedade do tipo de questões que foram colocadas no encontro que tivemos esta noite com o movimento negro e antirracista, do qual tínhamos algumas informações e sabíamos de algumas pessoas através da Ruth Wilson Gilmore [investigadora e abolicionista penal norte-americana].

Uma das questões colocadas no encontro desta quinta-feira prendia-se com o facto de nem sempre ser fácil conjugar o abolicionismo e o combate ao racismo. Em Portugal, por exemplo, é difícil provar o crime de racismo. Do total de queixas que são feitas por discriminação racial perto de 80% são arquivadas e só uma percentagem muito residual leva a alguma condenação, normalmente uma pequena multa ou uma admoestação. Há um sentimento de impunidade que, em parte, mobiliza as pessoas.
Angela Davis — Eu costumava ficar impressionada com o facto de certas manifestações de racismo terem sido criminalizadas na Europa, como em França, por exemplo. Mas se olharmos agora para a França, podemo-nos perguntar se o facto de ter sido criminalizado trouxe alguma mudança. Eu acho que, provavelmente, não — o que não quer dizer que não queiramos eliminar o racismo. É a questão do papel da criminalização na eliminação do racismo, do patriarcado, a discriminação contra as pessoas transexuais, através da simples criminalização das expressões discriminatórias. Parece-me que se deixa a estrutura intacta e enquanto a estrutura for deixada intacta vamos continuar a ver manifestações de racismo. Isso significa que é preciso pensar noutras formas de garantir a eliminação do racismo, formas que não dependam da criminalização, que nunca funcionou realmente para nada. Nem sequer funciona para crimes como o homicídio e assim por diante. Então, porque se esperaria que funcionasse? Porque se esperaria que fosse um método para iniciar o processo de eliminação do racismo do nosso percurso histórico?

Gina Dent — Parte do problema é que a criminalização funciona ao nível da individualização da responsabilidade. Não dá resposta ao racismo estrutural que penetra todos os níveis do sistema jurídico penal e do sistema de punição e policiamento mais geral; assim como não dá resposta ao modo como a lógica carcerária se vai distribuindo por todo o lado, incluindo escolas e outros locais onde não esperamos encontrar a sua presença. Se nós imaginamos que a criminalização e penas mais pesadas podem ser equiparadas a justiça, temos dois problemas: destacar indivíduos específicos e reforçar o sistema que estamos a enfrentar. Obviamente que não será a primeira prioridade descriminalizar ou permitir que as pessoas que cometem formas racistas de violência não sejam presas. Mas precisamos de ter um movimento que compreenda simultaneamente que estamos a tentar “des-carcealizar” e que estamos também a reconhecer que nenhuma cura, nem uma dita “reabilitação” pode realmente acontecer dentro dessas estruturas. Então, como responsabilizamos aqueles que cometem este tipo de danos? Que poderiam eles fazer que seria construtivo para as comunidades que prejudicaram? E penso que isso nos leva a uma resposta diferente da do encarceramento.

Angela Davis — Tem havido muita discussão sobre a necessidade de outros métodos para alcançar a justiça, a justiça transformadora, ou, como algumas pessoas chamam, justiça restaurativa. Portanto, dizer que a criminalização não é o caminho a seguir não é o mesmo que argumentar que não é importante desenvolver estratégias para eliminar o racismo, mas antes que a criminalização de pessoas que são racistas irá, muito provavelmente, criar ainda mais racismo. As instituições de encarceramento são instituições completamente racistas. Essa é a sua própria natureza. Então, o que significa utilizar uma instituição racista para combater o racismo por parte de certos indivíduos? E penso que o facto de isso ser sempre apenas uma solução individual deixa de fora o nível ideológico. Não aborda a necessidade de uma educação profunda da população no que respeita ao racismo. Na verdade, isso começou a acontecer apenas no contexto das mobilizações em torno do assassinato de George Floyd. Aí estava-se a desenvolver uma espécie de educação popular em torno de questões como o racismo estrutural em oposição ao racismo individual e penso que estas serão provavelmente estratégias mais eficazes a longo prazo do que estratégias de curto alcance, como as que procuram pôr pessoas na prisão ou criminalizar pessoas por se envolverem em actos de racismo.

Gina Dent — É essa discussão que ajuda as pessoas a desenvolver estratégias que não são vingativas e que nos permitem afastar da lógica carcerária, que também está em nós — nós fazemos também parte dessa cultura. A violência de Estado acontece mais às pessoas das comunidades negras, mas há pessoas negras que pela sua posição privilegiada de classe vivem separadas das massas de pessoas pobres. Não é apenas um problema negro, é também um problema de pessoas pobres. Em reuniões como a desta noite [quinta-feira, na Cova da Moura], com a Alice Santos, mãe de Danijoy [que morreu em 2021 no Estabelecimento Prisional de Lisboa], e Cláudia Simões [agredida em 2020 na Amadora pelo agente da PSP Carlos Canha], interessa discutir como é que, a partir destes casos individuais, podemos desenvolver algo que seja uma estratégia mais libertadora para toda a gente e que funcione para o futuro. Portanto, não se trata nunca de ignorar estes danos particulares, este tipo de casos. É estar com as pessoas que foram prejudicadas e ao mesmo tempo garantir que as respostas também nos vão permitir construir o tipo de cultura em que queremos viver para não sentirmos necessidade do encarceramento, para que não dependamos da violência do Estado.

Angela Davis — Não devemos assumir que as estratégias já foram descobertas — devemos permitir a criatividade no movimento, a experimentação. Sabemos que a criminalização dificilmente tem levado a algum lugar, exceto encher as prisões e prisões com cada vez mais pessoas negras, pessoas racializadas. Porque não tentar descobrir outros métodos? Por exemplo, o método da verdade e reconciliação na África do Sul. É claro que tem havido muitas críticas a esse respeito, mas lembro-me do caso de uma mulher a quem um polícia havia matado o filho e o marido durante o regime do apartheid na África do Sul. Perante a comissão verdade e reconciliação, ela disse: “Destruíste tudo o que eu amava na minha vida e, por isso, o que eu gostava era que me visitasses de duas em duas semanas.” Ela estava a reconhecer que não a ia ajudar em nada pôr na prisão aquele terrível polícia branco. É difícil imaginar que ela não tenha inicialmente pensado em retaliação. Penso que, por vezes, temos de parar e seguir esses instintos. Estou também a pensar no caso de Linda Biehl e do marido que acabaram por adotar um dos rapazes que estiveram envolvidos no assassinato da sua filha na África do Sul. Acredito que devemos avançar numa direção em que possamos levar as pessoas a questionarem-se sobre a necessidade de vingança, que por vezes parece tão espontânea, e a reconhecer que a retaliação é precisamente aquilo contra que temos lutado. Esse é o trabalho do Estado, é como o Estado funciona, e acabamos por internalizar isso e por assumir que esse é o único caminho a seguir.

A ideia de que o movimento antirracista ignora as questões de classe e do capitalismo, que é “identitarista”, é frequentemente avançada no espaço público. Gostaria de vos ouvir falar um pouco sobre como a “tradição radical negra” e a ideia de “capital racial”, ambas noções de Cedric Robinson, refletem ou não, até bem antes do conceito de interseccionalidade, essa capacidade de articular múltiplas relações de poder.
Angela Davis — Acho que nunca devemos aceitar a interseccionalidade como o termo global e único para descrever o complexo processo de pensar as questões em termos da sua relacionalidade. Tal como o termo “diversidade”, a interseccionalidade por vezes tem-se tornado mais num sinal de que se é antirracista ou de que se é antissexista. Uma categoria que faz um bom trabalho em dada altura não o fará eternamente, é contextual e contingente. Se olharmos para a história dos esforços para pensar relacionalmente sobre raça, classe e género, isso tem vindo a acontecer desde o século XIX, não nos podemos limitar pelo conceito de interseccionalidade, nem de capitalismo racial, é preciso ir mais longe. O conceito de capitalismo racial pode ser um ponto de partida, particularmente agora, numa altura em que o movimento operário e os sindicatos estão em declínio e assim por diante. Mas também penso que pode ser uma forma de não fazer o trabalho analítico que nos permitirá avançar. Nomear simplesmente “capitalismo racial” ou “interseccionalidade” não nos leva muito longe.

Gina Dent — Mas isso é o que acontece com toda a linguagem. Luta-se pela linguagem, depois essa linguagem vem a significar algo diferente e precisamos de uma nova linguagem — é um problema constante. E, por isso, não penso que o termo “interseccionalidade” em particular seja o único que tenha sido usado dessa forma. A questão é que devemos reconhecer quando um termo já não faz o trabalho que deveria, e devemos ser capazes de analisar isso. Infelizmente, tanto no ativismo como na academia, tende-se a um apegamento a termos e à nossa linguagem como se elas fizessem o trabalho de pensar por nós. E não gastamos tempo suficiente a tentar realmente fazer o que diz a Mari Matsuda, teórica dos Estudos Críticos da Raça: “Faz a outra pergunta.” Se alguém já consegue compreender o racismo, então é preciso fazer a pergunta seguinte, sobre o género, por exemplo. Se já é possível pensar em termos de classe, então deve fazer uma pergunta sobre raça. A questão é que é preciso ter o hábito de fazer mais perguntas.

Com o conceito de “capital racial” aprendemos a dizer muito eficientemente o que Stuart Hall levou muitos anos a descrever. Ele dizia que “a raça é a modalidade através da qual a classe é vivida”, que é uma frase sua muito citada. Penso que ainda nos ajuda a compreender algumas coisas, mas não tudo. Hoje, quando as pessoas dizem “capitalismo racial”, a utilização dessa noção não dialoga especificamente com o trabalho do Cedric Robinson, nem parte de um envolvimento intenso com o marxismo que expulsou certos tipos de tradições e recusou certos tipos de questões. O capitalismo racial agora também pode soar como uma atribuição vazia, em vez de uma descrição de processos que compreendemos bem. Por isso, penso que a crítica que o Robinson trouxe, assim como o Stuart Hall, que ambos trouxeram para as correntes marxistas, são realmente importantes para nós. Não tanto para dizer que existe capitalismo racial, sabemos que ele existe, mas para pensar como funciona numa situação particular.

Aqui em Portugal, discutíamos esta noite [quinta-feira] na Cova da Moura sobre a destruição colonial, como isso fez com que as pessoas tivessem de emigrar. Mas depois não tiveram direito à nacionalidade portuguesa, nem a nenhum tipo de reparação em dinheiro ou em lugares para viver aqui. Mesmo que a violência colonial tenha sido imposta pelos colonos e que as geografias que os colonos impuseram estejam do outro lado do mundo, os espaços onde as pessoas negras vivem hoje nunca são regularizados e, como não são considerados parte oficial da cidade, se calhar há vários serviços que não entram lá, mas a polícia entra. Portanto, precisamos de usar uma compreensão do capitalismo racial para começar a “desempacotar” estas coisas.

É preciso pensar noutras formas de garantir a eliminação do racismo, formas que não dependam da criminalização, que nunca funcionou para nadaAngela Davis

Angela Davis — Talvez deva simplesmente salientar que à medida que o capitalismo se tornou mais poderoso e se insinuou em todos os aspetos das nossas vidas, há uma tendência para assumir que o capitalismo será o sistema económico permanente. E, claro, conhecemos o papel da ideologia. Marx escreveu sobre como o futuro do capitalismo está muito dependente da capacidade de a sua burguesia insistir que ele é o único sistema do futuro, que não há nenhuma história subjacente, que o capitalismo é o modo permanente de estruturação das relações económicas. Simultaneamente, tem havido um grande progresso na luta contra o racismo e, se tivéssemos tempo, poderia falar de como o movimento laboral e a luta contra o racismo se interligaram ao longo dos anos, por exemplo, com mulheres negras como a Claudia Jones, Lorraine Hansberry e Louise Patterson, a quem devemos reconhecer o papel que desempenharam.

Mas penso que este é um momento em que temos de insistir em incorporar uma compreensão do capitalismo nas nossas estratégias para derrotar o racismo — porque, caso contrário, acabamos por ficar com o capitalismo negro, acabamos nas exigências por um aumento da riqueza intergeracional dos negros. Ainda no outro dia conversávamos sobre como a reivindicação da necessidade da riqueza intergeracional se insinua tão facilmente no ativismo e exigências antirracistas, quando se trata apenas de um indivíduo e não se trata de mudar as instituições. Trata-se, basicamente, de dar mais dinheiro aos indivíduos. É preciso reconhecer, antes de mais, que as pessoas escravizadas foram a base para o desenvolvimento do capitalismo no mundo, não só em certas partes do mundo, mas em todo o mundo; e que o colonialismo e a escravatura andam de mãos dadas. Se nós mantivermos essas relações na nossa estratégia antirracista, então é quase certo que iremos reproduzir os próprios mecanismos que são responsáveis pelo racismo.

*Texto actualizado às 11h20 de 20 de Novembro com a informação de que a autora da entrevista, Cristina Roldão, é colunista do PÚBLICO; e às 19h15, substituindo a formulação “Em Portugal, por exemplo, o racismo não é considerado um crime” por “Em Portugal, por exemplo, é difícil provar o crime de racismo”.

Número de pessoas sem-abrigo triplica em Beja, migrantes engrossam grupo

Rosário Silva, in RR

Desde o início do ano que a Cáritas da Diocese de Beja tem no terreno o projeto “Estou Tão Perto que Não Me Vês”. Há uma equipa que anda pelas ruas e um espaço de portas abertas para assegurar as necessidades básicas destas pessoas.

Migrantes timorenses engrossaram contingente de sem-abrigo. Foto: Nuno Veiga/Lusa

A Cáritas de Beja está preocupada com o aumento significativo de sem-abrigo na cidade. Em dois anos, triplicou o número de pessoas nessa situação.

O inquérito de caracterização desta população, de 2020, publicado no portal da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), revelava que a grande maioria se concentra na Área Metropolitana de Lisboa (AML), contudo por 100 mil habitantes, a situação mais preocupante é no Alentejo, nos concelhos de Alvito e Beja.

Só no concelho de Beja, com base nos atendimentos dos diferentes serviços internos da Cáritas, foram sinalizadas um total de 88 pessoas em situação de sem-abrigo, em 2020, número que este ano mais do que triplicou para 279.

“Se nos reportarmos a 2020, tendo por base os atendimentos da Caritas, foram sinalizadas 88 pessoas e, neste momento, já temos 279”, confirma, à Renascença Maria do Carmo Gonçalves, responsável pelo projeto “Estou Tão Perto que Não Me Vês” da Cáritas bejense.

O projeto começou em janeiro deste ano para se prolongar, pelo menos, até dezembro de 2023, com a finalidade de atender, acompanhar e integrar pessoas em situação de vulnerabilidade ou de risco e em situação de sem-abrigo no concelho alentejano.

Esta população, maioritariamente do género masculino e com uma média de idade a rondar os 45 anos, tem associadas várias problemáticas, tais como desemprego de longa duração, consumos aditivos, problemas ao nível da saúde mental e alcoolismo. Juntam-se os migrantes, que vieram à procura de trabalho, mas acabaram por ser explorados ou enganados. São de diferentes nacionalidades, com destaque para os timorenses que, ainda assim, foram já realojados.

“São de diversas nacionalidades. Temos, por exemplo, marroquinos, indianos, nepaleses, moldavos, mas a prevalência, sim, são pessoas de Timor”, esclarece a responsável.

Cáritas tem equipa de rua e espaço de porta aberta

Totalmente desprotegidos, os migrantes acabam a deambular pelas ruas da cidade, à espera da ajuda que chega das instituições de solidariedade social, como a Cáritas bejense.

No âmbito do projeto “Estou Tão Perto que Não Me Vês”, foi criada uma equipa de rua que, tal como o nome indica, tem como missão prestar apoios às pessoas que se encontram na rua, promovendo diversas campanhas de prevenção contra os incêndios, vagas de frio e de calor, identificando problemas de saúde e comportamentos aditivos, além de realizar o acompanhamento aos diversos serviços em caso de necessidade.

Foi também criado um “Drop In”, situado na Casa do Estudante, o espaço “estórias”, dotado de equipamentos e recursos que permitem às pessoas em situação de sem-abrigo receber apoio ao nível da alimentação, higiene e tratamento das roupas, medicação assistida e cuidados de saúde primários. No mesmo local, é prestado apoio psicológico e social.

Maria do Carmo Gonçalves assume que todos os recursos da Cáritas são poucos para fazer face às necessidades, mais ainda quando o número de pessoas que requerem ajuda aumentou.

No terreno, elege a falta de habitação como uma das maiores dificuldades no trabalho de intervenção. “A falta de habitação social e de centros de abrigo temporário, ou de emergência, tão necessários para quem está na rua, com diversas problemáticas associadas, são dificuldades que encontramos quando intervimos junto destas pessoas”, alude a técnica de ação social.

E a pouco menos de dois meses de 2023, que se espera muito difícil, as perspetivas não são nada animadoras.

“Estes aumentos de preços, o aumento das rendas, a inexistência de casas para alugar, o aumento das que existem, parece-nos que o crescimento da pobreza vai ser uma realidade. Nós acompanhamos com preocupação a situação de centenas de pessoas que vivem nas ruas de Beja e tememos também o despejo de pessoas idosas, sem recursos”, constata a mesma responsável.

Grupos vulneráveis devem ser “prioridade nacional”

Para refletir em torno dos desafios que se colocam à sociedade, sobretudo ao nível dos organismos públicos, para responder à realidade das pessoas em situação de sem-abrigo no concelho de Beja, a Cáritas diocesana promove esta quinta-feira, 17 de novembro, uma conferência sobre a temática.

“Pelo contexto de vida a que estão sujeitas, as pessoas em situação de sem-abrigo são uma população vulnerável com condições precárias e a quem muitas vezes o acesso a vários serviços públicos e apoios sociais existentes se torna bastante difícil, fazendo com que seja necessária uma intervenção articulada junto desta população-alvo, assegurando a informação clara dos seus direitos e a um atendimento personalizado para que tenham acesso aos mesmos”, lê-se na nota de apresentação do encontro.

Os promotores consideram que todos os grupos vulneráveis, onde se incluem as pessoas em situação de sem-abrigo, “devem representar uma prioridade de intervenção política nacional”, assumindo particular importância “no quadro da descentralização de competências para os municípios, sobretudo na área social”.

O que será que o país tem que fazer para lidar com o envelhecimento?

in Expresso

As declarações dos protagonistas de mais uma webtalk sobre os desafios associados ao aumento da longevidade

“Em termos conceptuais, toda a estrutura de política económica devia ser adaptada a esta realidade do envelhecimento e do recuo demográfico”, defende Carlos Lobo, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

“Não temos nenhuma medida económica ou referência à economia do envelhecimento, contrariamente a outros países europeus”, refere Nuno Marques, presidente do Expresso | O que será que o país tem que fazer para lidar com o envelhecimento?

“A prioridade deve ser a de proporcionamos um envelhecimento saudável e ativo à maior parte da nossa população mais idosa”, diz Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.

Desemprego. Mais de 78 mil pessoas ainda sem trabalho do segundo para o terceiro trimestre

in RR

Dados avançados pelo Instituto Nacional de Estatística.

Cerca de 26,1% dos desempregados no segundo trimestre deste ano, ou 78,1 mil pessoas, transitaram para o emprego no terceiro trimestre, divulgou esta quarta-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE).

"Do total de pessoas que estavam desempregadas no segundo trimestre de 2022, 53,9% (160,9 mil) permaneceram nesse estado no terceiro trimestre de 2022, 26,1% (78,1 mil) transitaram para o emprego e 20,0% (59,8 mil) transitaram para a inatividade", referem as estatísticas de fluxos entre estados do mercado de trabalho para o terceiro trimestre, hoje divulgadas.

O INE acrescenta que cerca de um terço dos desempregados (32,6%; 47,9 mil) e um sétimo da "força de trabalho potencial" (14,0%; 22,5 mil) do segundo trimestre transitou para o emprego entre julho e setembro.







No período em análise, 12,0% (86,7 mil) das pessoas que estavam em trabalho por contra própria transitaram para trabalho por contra de outrem, ao passo que "1,6% (65,2 mil) das pessoas que tinham um trabalho por conta de outrem transitaram para um trabalho por conta própria".

Do total de trabalhadores por conta de outrem que entre abril e junho tinham um contrato de trabalho com termo ou outro tipo de contrato, 19,3% (129,2 mil) passaram a ter um contrato sem termo nos três meses seguintes.

Os dados do instituto estatístico acrescentam que "cerca de um em cada quatro empregados a tempo parcial (24,1%; 94,2 mil) no segundo trimestre de 2022 passou a trabalhar a tempo completo no terceiro trimestre de 2022".

Já a percentagem de pessoas que permaneceram empregadas entre o segundo e o terceiro trimestre do ano mas que mudaram de emprego "diminuiu 0,4 pontos percentuais em relação aos últimos dois trimestres, fixando-se nos 3,1% (145,7 mil)".

Do total e em relação ao segundo trimestre, 96,5% (4,73 milhões) permaneceram empregadas, 1,1% (55,1 mil) passaram para o desemprego e 2,3% (114,9 mil) para a inatividade entre julho e setembro.

O fluxo líquido do emprego (total de entradas menos total de saídas) "foi de sinal positivo e estimado em 27,3 mil pessoas".

No que respeita ao fluxo líquido do desemprego, este "foi de sinal positivo e estimado em 7,0 mil pessoas", o que "resulta do total de pessoas que transitaram para o desemprego (144,8 mil) ter sido superior ao total das pessoas que saíram desse estado (137,9 mil).

O próximo destaque sobre as estatísticas de fluxos entre estados do mercado de trabalho, referente ao quarto trimestre deste ano, será publicado em 15 de fevereiro de 2023.

Programa de Apoio ao Acesso à Habitação: 1º Direito11 novembro 2022

in Sapo24

Apoio e solução habitacional para famílias mais necessitadas.

O Programa 1.º Direito é um Apoio ao Acesso à Habitação, que tem como intuito a promoção de soluções habitacionais destinado a pessoas com condições habitacionais indignas e que consequentemente não beneficiam de capacidade financeira capaz de sustentar o custo de acesso à habitação adequada às suas necessidades.

Neste sentido, o programa irá sofrer alterações de modo a estender o apoio, assentando numa dinâmica promocional maioritariamente focada na reabilitação de edifícios e possibilidade de arrendamento.

A questão que mais se coloca é a quem se destina este programa de apoio?
De acordo com a Organização de Defesa do Consumidor, este apoio pode ser concedido às famílias que vivam em condições de habitação indignas em virtude de:
Insolvência de algum elemento do agregado ou proprietário da residência onde o agregado reside;
Falta de segurança;
Não se verificar renovação do contrato de arrendamento;
Violência doméstica;
Sobrelotação.
"Abrange também famílias que não consigam suportar os custos de uma habitação adequada às suas necessidades, por se encontrarem numa situação de carência financeira. Nesta categoria, incluem-se pessoas com um rendimento médio mensal inferior a quatro vezes o indexante dos apoios sociais (IAS), ou seja, 1772.8 euros, e um património mobiliário inferior 60 vezes o IAS, que equivale a 26.592 euros" - Organização de defesa do Consumidor.

A candidatura deve ser efetuada junto do município, que irá proceder a uma avaliação do pedido de apoio no quadro da sua estratégia local de habitação. Este reúne todas as candidaturas e procede a uma avaliação, sendo que a candidatura estará dependente da avaliação que a autarquia fizer, podendo optar pela atribuição de uma habitação municipal ou pela inscrição do agregado no programa - Podendo ser candidaturas próprias da autarquia ou de uma candidatura autónoma.

Após a análise e avaliação da mesma, a autarquia reencaminha para a Instituição da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) que posteriormente analisa as candidaturas, podendo recorrer a mais informação que seja necessária, ou até mesmo aconselhar alterações para explicitar ou melhorar.

Aquando da aprovação da candidatura, a IHRU estabelece um acordo de financiamento ou colaboração no quadro do Programa 1.º Direito.

Os apoios podem ser conferidos, segundo o Portal da Habitação, a famílias, para que estas tenham acesso à habitação adequada às suas necessidades, ou a entidades, para que as mesmas estimulem soluções habitacionais, nomeadamente:
Regiões Autónomas ou Municípios;
Entidades públicas;
3.º Setor;
Associações de moradores e cooperativas de habitação e construção;
Proprietários de imóveis situados em núcleos degradados.

Programas de habitação terão continuidade após término do PRR

in SapoCasa

Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, garantiu continuidade de programas após 2026.
A secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, garantiu no dia de ontem, 15 de novembro, numa iniciativa na Faculdade de Arquitetura de Lisboa, que o Programa 1.º Direito "não se vai esgotar no PRR" - um Apoio ao Acesso à Habitação - que tem como intuito a promoção de soluções habitacionais destinado a pessoas com condições habitacionais indignas e que consequentemente não beneficiam de capacidade financeira capaz de sustentar o custo de acesso à habitação adequada às suas necessidades.

O PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) é financiado pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, sendo um instrumento histórico e central para a retoma da economia e de apoio às famílias e comunidade.

Marina Gonçalves foi questionada durante a sessão acerca da continuidade do Programa 1.º Direito após 2026, data prevista para conclusão do PRR, ao qual a secretária de Estado da Habitação afirmou que "o PRR deve ser visto como fonte de financiamento e não um programa em si" acrescentando ainda que "depois do PRR, os programas devem ficar".

Durante o comunicado reiterou ainda a aposta no reforço do parque habitacional público que "hoje é tão diminuto e compara muito mal com outros países da União Europeia", contudo considera que seja "a resposta mais estável e mais duradoura" que pode garantir o direito à habitação.

Estima ainda que "o que foi faltando ao longo das últimas décadas foi, de facto, uma visão transversal do direito à habitação" reforçando que é necessário "tratar a habitação como tratamos a saúde e a educação".

Acompanhe mais em: Milhões investidos em programa de Habitação e Programa de Apoio ao Acesso à Habitação: 1º Direito

Núcleo Distrital de Beja da EAPN discute melhoria da qualidade das respostas sociais no distrito

in Rádio Voz da Planície

Das 15h00 às 17h00, via zoom, é discutido o crescente envelhecimento demográfico e as respostas sociais existentes no distrito, no contexto pós-pandemia, numa iniciativa do Núcleo Distrital de Beja da EAPN.

A organização é do Núcleo Distrital de Beja da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) e esta realização tem como objetivos “apoiar as entidades da economia social no seu processo de melhoria contínua da qualidade dos serviços prestados nas respostas sociais dirigidas às pessoas idosas no distrito”, assim como “recolher contributos para a melhoria das respostas sociais dirigidas à população mais envelhecida”.

A sessão é dinamizada por Anselmo Prudêncio, técnico do Núcleo Distrital de Beja da EAPN Portugal, e Sandra Lozano, investigadora e consultora.

Esta discussão é dirigida a técnicos/as e diretores/as técnicos/as de entidades da economia social do distrito de Beja, com respostas sociais dirigidas às pessoas idosas, cuidadores/as formais e informais, idosos/as e utentes.


Unicef pede respostas diferentes para combater pobreza infantil

Diana Morais Ferreira, in JN

Em Portugal, aproximadamente 123 mil crianças vivem em pobreza extrema e cerca de 23% em risco de pobreza ou exclusão social. A Unicef alerta para a necessidade de um modelo de governação de direitos da criança diferente.

Durante o encontro entre decisores políticos para debaterem os Direitos da Criança, realizado esta quinta-feira, na Assembleia da República, a Unicef alertou para a urgência de um modelo de governação diferente. "A descentralização de competências, o agravamento das desigualdades, o aumento da pobreza e a reforma do sistema da proteção infantil exigem a definição de um modelo de governação diferente, que garanta respostas equitativas e justas para todas as crianças, em particular para as que vivem numa situação de maior vulnerabilidade", afirma Beatriz Imperatori, diretora executiva do Comité Português para a Unicef.

"Como fenómeno multidimensional, a passar de geração em geração, a pobreza é o espelho das vulnerabilidades de uma sociedade", acrescenta a diretora executiva. Chama ainda a atenção para os números atuais de pobreza que afetam os mais jovens, revelados pelo Instituto Nacional de Estatística: "123 mil crianças vivem em pobreza extrema, 742 famílias recebem o abono de família, a taxa do risco de pobreza das crianças em famílias monoparentais é de 30% e a taxa do risco de pobreza ou exclusão social é de 23%".

Para a Unicef é fulcral construir uma ação coordenada entre o Governo e as autarquias, atuando sempre com a criança no centro de tudo e através de uma perspetiva multidimensional que englobe rendimento, acesso à educação, saúde de qualidade, desporto, cultura e primeiro emprego.

Beatriz Imperatori recorda ainda que a Unicef "não preconiza uma solução para Portugal; a Unicef colabora, apoia e capacita todos e todas as organizações públicas e privadas que queiram investir numa resposta efetiva para todas as crianças".

Como "Sobreviver à inflação"? Deco propõe 26 medidas para ajudar famílias a evitar rutura financeira





Associação de defesa do consumidor vai enviar pacote ao Governo e aos grupos parlamentares. "Desde setembro a esta parte estamos a verificar que as famílias estão a conseguir suportar estas primeiras revisões do crédito", alerta Natália Nunes.

A Deco vai propor ao Governo 26 medidas para evitar que famílias entrem em rutura financeira numa altura em que, devido à subida dos preços e juros, cada vez mais receiam não conseguir acomodar a próxima revisão do empréstimo.

Do pacote intitulado "Sobreviver à inflação", que vai ser enviado ao Executivo e aos grupos parlamentares, fazem parte a isenção temporária do IVA de produtos alimentares e a criação de uma comissão de acompanhamento da evolução dos preços de bens cuja taxa de IVA seja alvo de alteração.

Ainda na vertente fiscal, defende-se a criação de um incentivo à poupança, a garantia da dedução em sede de IRS dos juros com o crédito à habitação (para todos os contratos) ou o alargamento da isenção do IMI (de três para cinco anos, no temporário e alargamento das condições da isenção permanente), com a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da Deco, Natália Nunes, a sublinhar a importância de estas medidas serem ainda incluídas no Orçamento do Estado para 2023 (OE2023).

Natália Nunes precisou que o objetivo é "ajudar a manter o orçamento numa situação positiva", evitado que as famílias entrem uma situação de rutura e mantenham a capacidade de pagar a sua fatura de serviços públicos essenciais ou a prestação do empréstimo da casa.

O pacote de propostas - que inclui algumas que a Deco já tinha apresentado - foi delineado também para dar resposta à tipologia de situações e de pedidos de informação que nos últimos meses começou a chegar ao GPF.

"Desde setembro a esta parte estamos a verificar que as famílias estão a conseguir suportar estas primeiras revisões do crédito, mas manifestam grande preocupação com as próximas revisões e anteveem que nas próximas revisões vão ter alguma ou muita dificuldade em pagar", precisou Natália Nunes.
Refeição gratuitas nas escolas, limites às comissões bancárias entre as 26 medidas

Em causa estão famílias de baixos ou médios rendimentos, algumas sem créditos ou com empréstimos com uma taxa de esforço muito reduzida, e também famílias com uma taxa de esforço acima dos 35% que no atual contexto de inflação elevada (traduzida na conta da energia, combustíveis, alimentação ou prestação da casa) estão apreensivas com o futuro e que precisam de algum apoio que mitigue esta situação.

"Entendemos que estas famílias devem ter ajudas além das que já foram consagradas este ano" diz a coordenadora do GPF, notando que os dados que vão sendo divulgados mostram que as pessoas "vão continuar confrontadas com aumentos de preços e a expectativa é que os rendimentos não acompanhem a inflação", sendo "necessário dar garantias de acesso aos bens e serviços e essenciais".

Entre as 26 medidas inclui-se o alargamento das refeições escolares gratuitas, a imposição de limites nas comissões bancárias evitando um aumento de preços da banca, a aplicação de uma taxa reduzida de IVA em todas as componentes da fatura da eletricidade, gás, água, saneamento, resíduos e comunicações, ou aplicação da taxa reduzida de IVA ao gás GPL engarrafado.

A Deco defende ainda a proibição do aumento das mensalidades das comunicações eletrónicas em 2023, a proibição do aumento das tarifas de utilização das vias concessionadas, o alargamento da tarifa social na água, ou o alargamento do sistema de apoio ao sobre-endividamento ao sistema judicial.

A Deco considera também essencial a criação de legislação que reforce a transparência e a obrigação de informação ao consumidor em produtos alvo de reduflação ou que a referida comissão de fiscalização e acompanhamento da evolução dos preços de produtos com alteração de IVA atue no sentido de prevenir práticas empresariais que lesem os consumidores neste contexto de inflação elevada.

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Racismo e discriminação contra crianças e adolescentes são comuns em países de todo o mundo

in UNICEF

Novo relatório descreve como as crianças e os adolescentes são discriminados na educação, nos serviços de saúde e no acesso a recursos do governo; a análise de 22 países mostra que os grupos mais favorecidos têm duas vezes mais chances de ter habilidades

Nova Iorque, 18 de novembro de 2022 – Racismo e discriminação contra crianças e adolescentes com base em sua raça, etnia, idioma e religião são comuns em países de todo o mundo, de acordo com um novo relatório do UNICEF publicado às vésperas do Dia Mundial da Criança, comemorado em todo mundo em 20 de novembro, e do Dia da Consciência Negra, celebrado no mesmo dia no Brasil.

Direitos negados: O impacto da discriminação em crianças e adolescentes (Rights denied: The impact of discrimination on children – disponível somente em inglês) mostra até que ponto o racismo e a discriminação afetam a educação, a saúde, o acesso de meninas e meninos a um registro de nascimento e a um sistema de justiça justo e igualitário, e destaca disparidades generalizadas entre minorias e grupos étnicos.

“O racismo estrutural e a discriminação colocam crianças e adolescentes em risco de privação e exclusão que podem durar a vida toda”, disse a diretora executiva do UNICEF, Catherine Russell. “Isso prejudica todos nós. Proteger os direitos de cada criança – seja ela quem for, venha de onde vier – é o caminho mais seguro para construir um mundo mais pacífico, próspero e justo para todos”.

Entre os novos achados, o relatório mostra que crianças e adolescentes de grupos étnicos, linguísticos e religiosos marginalizados em uma análise de 22 países estão muito atrás de seus pares em habilidades de leitura. Em média, os estudantes de 7 a 14 anos do grupo mais favorecido têm duas vezes mais chances de ter habilidades básicas de leitura do que os do grupo menos favorecido.

Uma análise dos dados sobre a taxa de crianças registradas ao nascer – um pré-requisito para o acesso aos direitos básicos – encontrou disparidades significativas entre crianças de diferentes grupos religiosos e étnicos. Por exemplo, no Laos, 59% das crianças menores de 5 anos no grupo étnico minoritário mon-khmer têm seus nascimentos registrados, em comparação com 80% entre o grupo étnico lao-tai.

A discriminação e a exclusão aprofundam a privação e a pobreza intergeracional e resultam em piores resultados de saúde, nutrição e aprendizado para as crianças e os adolescentes, maior probabilidade de encarceramento, taxas mais altas de gravidez entre as adolescentes e taxas de emprego e rendimentos mais baixos na idade adulta.

Embora a covid-19 tenha exposto profundas injustiças e discriminações em todo o mundo e os impactos das mudanças climáticas e dos conflitos continuem a revelar desigualdades em muitos países, o relatório destaca como a discriminação e a exclusão persistem há muito tempo para milhões de crianças e adolescentes de grupos étnicos e minoritários, incluindo acesso a imunização, serviços de água e saneamento e um sistema de justiça justo.

O relatório também destaca como crianças, adolescentes e jovens estão sentindo o fardo da discriminação em seu dia a dia. Uma nova pesquisa do U-Report, que gerou mais de 407 mil respostas, descobriu que quase dois terços sentem que a discriminação é comum em seus ambientes, enquanto quase metade sente que a discriminação afetou de maneira significativa sua vida ou a de alguém que conhecem.

No Brasil

O racismo persiste no cotidiano das crianças e adolescentes brasileiros e se reflete nos números das desigualdades entre negros, indígenas e brancos. Meninos e meninas que vivem em contexto de desigualdade e são vítimas do racismo nas escolas, nas ruas, nos hospitais deparam-se constantemente com situações de discriminação, de preconceito ou segregação.

O relatório inclui exemplos de programas para melhorar as oportunidades de crianças e adolescentes de grupos que sofrem de discriminação, entre eles a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial no Brasil.

Um decreto em 2003 levou à criação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial no Brasil, prevendo ações afirmativas com base em raça e etnia. Desde 2004, existem cotas em algumas universidades que possibilitam maior acesso ao ensino superior e, em 2012, foi aprovada a Lei de Cotas que estabelece uma cota mínima de 50% de acesso às universidades federais.

O exemplo reforça como é fundamental fortalecer e criar políticas públicas que assegurem a representação de grupos historicamente com maior dificuldade de acesso a espaços políticos e institucionais para lidar com a problemática da desigualdade racial, que o Brasil ainda enfrenta.

“No Dia Mundial da Criança e em todos os dias, cada criança, cada adolescente tem o direito de ser incluído, protegido e ter a mesma chance de atingir todo o seu potencial”, disse Russell. “Todos nós temos o poder de lutar contra a discriminação contra crianças e adolescentes – em nossos países, nossas comunidades, nossas escolas, nossos lares e nosso próprio coração. Precisamos usar esse poder”.

Dia Mundial dos Pobres

Manuel Gomes, opinião, in Jornal de Leiria

O Dia Mundial dos Pobres instituído pelo Vaticano pode e deve ser compartilhado por todos aqueles que entendem ser importante defender e respeitar a dignidade dos mais pobres

No passado domingo, dia 13 de novembro, comemorou-se o VI Dia Mundial dos Pobres instituído pelo Vaticano, naturalmente destinado aos membros da Igreja Católica, mas pode e deve ser compartilhado por todos aqueles que entendem ser importante defender e respeitar a dignidade dos mais pobres, deixados “à mercê da incerteza e da precariedade”, como diz Francisco, face ao agravamento da situação global.

O Papa destaca que os cenários mais otimistas para o pós-pandemia, que prometiam “alívio a milhões de pessoas empobrecidas pela perda do emprego”, foram alterados pela guerra na Ucrânia, uma “nova catástrofe”.

Na realidade, segundo o relatório do Banco Mundial (BM) “Poverty and Shared Prosperity” que faz a primeira análise completa do cenário global da pobreza após a inesperada onda de choques que afetaram a economia global ao longo dos últimos anos, estima que a pandemia levou aproximadamente 70 milhões de pessoas à pobreza extrema em 2020, o maior aumento ocorrido em um ano desde o início de seu monitoramento global em 1990.

Isso levou aproximadamente 719 milhões de pessoas a subsistirem com menos de US $2,15 por dia no final de 2020 sem contar, ainda, com as consequências da guerra na Ucrânia. É neste contexto constrangedor que o Papa, nas suas mensagens de domingo passado, define dois tipos de pobreza: a pobreza que mata e a pobreza libertadora.

“A pobreza que mata é a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspetivas nem vias de saída” A pobreza libertadora do ponto de vista católico, “é aquela que se apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial”.

“Quando a única lei passa a ser o cálculo do lucro no fim do dia, deixa de haver qualquer travão à adoção da lógica da exploração das pessoas: os outros não passam de meios. Deixa de haver salário justo, horário justo de trabalho e criam-se formas de escravidão, sofridas por pessoas que, sem alternativa, têm de aceitar esta injustiça venenosa, a fim de ganhar o sustento mínimo”, refere, num texto divulgado pelo Vaticano.

“Sabemos que o problema não está no dinheiro em si, pois faz parte da vida diária das pessoas e das relações sociais. Devemos refletir, sim, sobre o valor que o dinheiro tem para nós: não pode tornar-se um absoluto, como se fosse o objetivo principal”, precisa. No entanto, o Papa avisa: “Não demos ouvidos aos profetas da desgraça; não nos deixemos encantar pelas sereias do populismo, que instrumentaliza as necessidades do povo, propondo soluções demasiado fáceis e precipitadas. Não sigamos os falsos messias que, em nome do lucro, proclamam receitas úteis apenas para aumentar a riqueza de poucos, condenando os pobres à marginalização”.

Numa década, o RSI perdeu força para reduzir pobreza

Maria Caetano, in Negócios online

Segundo o novo relatório de avaliação às medidas de rendimento mínimo adotadas nos diferentes Estados-membros, o valor do RSI representava em 2019 apenas 38% do limiar de pobreza nacional (alisado em valores de três anos).

Apesar de ter sido historicamente o primeiro rendimento mínimo da UE, surgindo em 1996, o Rendimento Social de Inserção (RSI) é hoje apenas o 23.º do bloco em capacidade de reduzir a intensidade da pobreza, mostram os dados da Comissão Europeia publicados no último mês. E a adequação da prestação tem vindo a recuar.

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"É injusto marcar alguém porque vive num bairro sem condições"

Ângela Roque, in RR

Autores da “Carta da Habitação” debatem na Renascença “tema fulcral da vida das pessoas”, porque “o Evangelho não é uma coisa abstrata”. Uma conversa com frei Rui Grácio, da Comissão Justiça, Paz e Ecologia da Confederação dos Institutos Religiosos de Portugal; o arquiteto Daniel Lobo, que acompanhou o processo de realojamento do bairro da Torre, em Camarate; e Fernanda Reis, da Pastoral dos Ciganos do Patriarcado de Lisboa.

A “Carta da Habitação”, divulgada há dias, pede medidas urgentes para resolver a crise no setor, denunciando a “realidade desconcertante” que atinge boa parte da população portuguesa, com “situações inaceitáveis” ao nível dos processos de realojamento e da reabilitação das casas, para além dos preços incomportáveis do arrendamento, que as sucessivas crises que atravessamos têm feito disparar.

O documento foi elaborado por iniciativa da Comissão Justiça, Paz e Ecologia (CJPE), da Confederação dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), com o contributo e a experiência partilhada por quem está no terreno, junto dos bairros sociais e das comunidades mais desfavorecidas.

Frei Rui Grácio, da CJPE, lembra na Renascença que este “é um dos temas fundamentais de justiça e paz” e é “fulcral na vida das pessoas”, por isso fez todo o sentido refletirem sobre ele na comissão, onde “há gente a trabalhar nas periferias”.

“Queríamos ter uma posição como religiosos e religiosas, leigos e leigas que trabalham connosco, porque acreditamos que o Evangelho não é uma coisa abstrata, é concreto e tem de tratar de questões reais da vida das pessoas”.

A carta lembra que a habitação é “um direito humano”, e alerta para as condições indignas em que muitos vivem e para a desigualdade com que são tratadas determinadas franjas da população, como os afrodescendentes, os imigrantes e a comunidade cigana.


Habitação “é um direito humano”, lembram organizações católicas


Apostar na escola e formação

Fernanda Reis, representante da Pastoral dos Ciganos na CJPE, lembra que ainda há muito a fazer para a plena integração desta comunidade, e que apesar das leis persecutórias de que foi alvo “ao longo de 300 anos”, desde o século XIX que “os ciganos nascidos em Portugal são considerados portugueses de pleno direito”.

Para esta responsável, a questão cultural e o facto de serem nómadas “é uma falsa questão” e não impossibilita a sua integração, mas a grande aposta tem de ser feita ao nível da “escolarização e da formação”, para que estas pessoas “saibam como os outros, aprendam e se preparem para o exercício da cidadania”.

Fernanda Reis reconhece que o problema da habitação se interliga com o da pobreza, mas as pessoas não podem ser catalogadas de acordo com o código postal onde vivem. “Isso é verdade, tanto para ciganos como para não ciganos. Nos bairros sociais há gente variada, boa e trabalhadora, e é injusto marcar alguém porque vive num bairro sem condições. É a pessoa que é apontada, em vez de se tentar melhorar o bairro”.

"É injusto marcar alguém porque vive num bairro sem condições. É a pessoa que é apontada, em vez de se tentar melhorar o bairro"

Realojamento com falhas graves

Daniel Lobo, arquiteto, tem um percurso que passou pelo bairro da Torre, em Camarate, Loures. À Renascença, conta que esta “foi uma experiência muito importante. Integrei um projeto de investigação/ação, que já decorria desde 2014, eu entrei em 2016, e foi importante para aquilo que o Papa Francisco apela, a conversão para as periferias”.

Conta que no bairro hoje já “só resta uma barraca”. Nos últimos anos “foi sujeito a um processo de realojamento e capacitação, de melhoria das condições de vida e colmatação de uma série de outras necessidades, como a alimentação”.

Mas, o realojamento “foi dispersando a população por várias partes do município de Loures, Amadora e Almada”, e nem tudo correu como devia. “Houve muitas falhas, e graves”, sublinha. “O que falta essencialmente é um maior envolvimento das entidades que estão no terreno, em grande proximidade, compromisso e entrega, e que conhecem aquela realidade social. É preciso que essas pessoas façam parte do processo de realojamento, como a associação de moradores”.

Daniel Lobo diz que “foram feitas várias comunicações por escrito à Câmara de Loures, mas não surtiu efeito. Só quando houve um incêndio que chamou a atenção da comunicação social e foi exercida pressão pública é que alguma coisa aconteceu”.
"Mudança de política e de mentalidade"


A fazer o doutoramento em urbanismo, o jovem arquiteto diz que a humanização das cidades terá de passar por um novo modelo económico que dê resposta às necessidades das pessoas e atenue a atual divisão, ainda evidente, entre “áreas ricas e pobres”.

"Há um hiato entre as autoridades públicas, as associações e os próprios moradores para fazerem algo em conjunto"

É preciso encontrar, como propõe o Papa, uma alternativa à atual economia que “mata, exclui e desumaniza”. Mas, considera que há “sinais de esperança no meio disto”, como a “capacidade de invenção dos muitos milhões de pessoas que vivem em bairros precários ou informais em todo o mundo, para conseguirem encontrar uma solução para a sua falta de abrigo”.

“Estamos num modelo de economia que privilegia o lucro individual sobre as necessidades das pessoas”, acrescenta frei Rui Grácio, que sublinha também a importância da “participação dos envolvidos” na busca de soluções, de quem vive nos bairros e das associações que estão no terreno, porque atualmente “há um hiato entre as autoridades públicas, as associações e os próprios moradores para fazerem algo em conjunto”. E acrescenta que é preciso “valorizar a participação e o trabalho conjunto a partir da visão de quem não está no gabinete, mas no terreno”.

“É uma mudança de política e de mentalidade. Não é só dinheiro, é toda uma maneira de fazer as coisas que deve ser participada desde a base”, afirma.


Mais de 50 mil famílias da Área Metropolitana de Lisboa vivem em condições indignas


Fernanda Reis insiste que “a habitação é um direito e é um elemento fundamental para o crescimento da própria pessoa, por isso é urgente que se enfrente o problema. E conhecemos muitos casos de ciganos e não ciganos que estão aflitos, não estão bem”.

Os autores da Carta esperam que o documento que elaboraram ajude a “chamar a atenção” e a um “debate da sociedade civil” para resolver o problema, que “não é só da habitação, é também do trabalho, das condições de vida, está tudo interligado”.

Das entidades públicas a que foi endereçada a carta, já receberam resposta “da vereadora da habitação da Câmara de Lisboa, a dizer que iam analisar e ter em consideração as propostas” feitas.

O debate com frei Rui Grácio, Daniel Lobo e Fernanda Reis foi transmitido este domingo no programa “Pequenas Grandes Coisas”, na Renascença.