2.11.22

Pobres

Margarida Balseiro Lopes, opinião, in JN

Portugal tem atualmente quase dois milhões de pessoas a (sobre)viver com menos de 554 euros por mês. Sem os apoios sociais, o número seria de 4,4 milhões de pobres no país. Acima do limiar da pobreza estão 400 mil pessoas que, apesar de não se "enquadrarem" como pobres nos termos deste valor de referência, não têm condições de habitação, não conseguem ter uma alimentação saudável e equilibrada ou aquecer as suas casas. Estes dados, além de nos envergonharem coletivamente, são o mais cabal exemplo do falhanço das políticas públicas implementadas ao longo dos últimos anos.

É verdade que a pandemia veio agravar este triste retrato de um país doente, onde metade da sua população seria pobre sem as transferências do Estado. Em comparação com o ano anterior, em 2020, houve mais 58 mil famílias no escalão mais baixo de IRS, um aumento de 8,5%.

Porém, a pandemia não se circunscreveu ao território nacional, pelo que não poderá justificar que Portugal tenha visto os seus indicadores de pobreza a deteriorarem-se face aos outros estados-membros. Com efeito, piorámos tanto na taxa de risco de pobreza como na desigualdade de rendimentos. No indicador das condições de alojamento, Portugal consegue ser o segundo pior país dos 27 da União Europeia, com um quarto da população a viver em alojamentos com más condições.

O perfil dos mais pobres também é desolador: pessoas mais jovens com filhos a cargo, pessoas com menos de 18 anos, maiores de 65 anos e desempregados. Cerca de uma em cada quatro crianças portuguesas vivia no ano passado em situação de pobreza ou exclusão social, o que naturalmente impacta no seu desempenho escolar, na sua saúde e nas oportunidades futuras.

A juntar ao crescente número de pessoas a viver em privação material, a degradação dos serviços públicos de saúde e educação acentua a situação de pobreza em que milhares de pessoas se encontram. Um português que não tem médico de família, não consegue o agendamento de consulta ou cirurgia ou não tem resposta para os seus problemas de saúde quando encontra um serviço de urgência encerrado vê acentuada a sua situação de pobreza. O mesmo sucede sempre que uma criança não tem professores a uma ou mais disciplinas, algumas nucleares para o seu percurso formativo.

O Governo podia dar respostas estruturais a esta objetiva rota de empobrecimento. Desde logo, proporcionando as condições necessárias para que haja uma aposta na criação de riqueza e na correção da má qualidade das políticas de redistribuição. No entanto, ao fim de sete anos de governação, não parece ser agora que esse caminho venha a ser corrigido. O Governo podia, por outro lado, atuar a nível conjuntural através da política orçamental. Só que, como se viu pelo Orçamento do Estado, aprovado esta semana, essa também não foi a opção.

* Jurista