21.11.22

O problema não é sermos muitos, é consumirmos demasiado

Paulo Narigão Reis, in Público online

Quase a chegar aos 8 mil milhões de humanos, está o mundo mesmo sobrepovoado? Mais do que excesso de população, o problema está, como defendem muitos cientistas, no excesso de consumo.

Interactivo. Oito mil milhões de humanos. Quantos havia quando nasceu?

Com o mundo prestes a alcançar a marca dos 8 mil milhões de habitantes, há perguntas a fazer: quantas pessoas cabem realmente no nosso planeta? E está o mundo, de facto, sobrepovoado? O debate sobre qual é o número ideal de seres humanos é antigo – remonta ao século XVIII – e polémico e, quando somamos mais um milhar de milhões, como acontecerá esta terça-feira, as opiniões voltam a dividir-se.

Na semana passada, a revista The Economist titulava: “A população atingiu os 8 mil milhões. Não entremos em pânico”. No artigo em causa, a publicação advoga que quer o medo da sobrepopulação quer da subpopulação são manifestamente exagerados. O planeta não está nem à beira do excesso de habitantes nem do inverso colapso populacional, mesmo que no primeiro caso, os dois últimos mil milhões tenham sido alcançados no espaço de doze anos cada (os 7 mil milhões entre 1998 e 2010 e os 8 mil milhões entre 2010 e 2022).

“Oito mil milhões de pessoas é um marco importante para a humanidade”, disse a chefe do Fundo de População das Nações Unidas, Natalia Kanem, numa declaração oficial, saudando ao mesmo tempo o aumento da esperança de vida e a diminuição do número de mortes maternas e infantis.

“Ainda assim, percebo que este momento poderá não ser celebrado por todos”, acrescentou Kanem. “Alguns expressam a preocupação de que o nosso mundo está sobrepovoado. Estou aqui para dizer que o grande número de vidas humanas não é motivo de medo”.

Para muitos especialistas na matéria, dizer que o mundo tem gente a mais é estar a colocar a questão errada. “Muitos para quem, muitos para quê? Se me perguntarem se eu estou a mais? Digo que não”, afirma Joel Cohen, do Laboratório de Populações da Universidade Rockefeller, em Nova Iorque, citado pela agência France-Presse.

Para o cientista, a questão de quantas pessoas pode suportar o mundo tem dois lados: os limites naturais e escolhas humanas. Que estão ambos ligados: “As nossas escolhas fazem com que os humanos consumam muito mais recursos biológicos do que o planeta é capaz de regenerar a cada ano”, acrescenta Cohen.

O mais recente relatório climático da ONU menciona o crescimento populacional como um dos principais responsáveis pelo aumento das emissões de gases de efeito de estufa, ainda assim menor do que o crescimento económico. Mais do que excesso de população, o problema está, como defendem muitos cientistas, no excesso de consumo.

“Estamos a consumir os recursos renováveis de 1,7 planetas Terra. Se as coisas não mudarem, precisaremos de três até 2050. À medida que mais pessoas exigem mais da natureza, pioramos a já catastrófica perda de biodiversidade, acelerando a escassez de água, poluição e desmatamento”, escreveu Robin Maynard, director da organização Population Matters, sediada no Reino Unido, no jornal Guardian, no mês passado.

Ainda assim, Maynard defende que oito mil milhões de pessoas no planeta é um número que começa a ser incomportável, inclusivamente para as outras espécies. “Os governos, os organismos internacionais e as sociedades não podem ignorar o papel da população no que diz respeito ao clima, à vida selvagem e aos colapsos dos ecossistemas que hoje enfrentamos”, considera.

Mas, se em vez de tentarmos ajustar o número de pessoas que habitam o mundo, virarmos o foco antes para para o que fazemos, o que consumimos, a pegada que deixamos? A quantidade de recursos que cada pessoa consome no seu dia-a-dia tem mais impacto do que o número de humanos sobre a Terra, isto num mundo em que, estima a ONU, um terço dos alimentos que produzimos é desperdiçado a cada ano.

E, aqui, a “culpa” é dos países mais ricos que, para além de consumirem mais, têm taxas de natalidade menores do que as nações mais pobres. Ou seja, reduzir o consumo individual pode ser a receita para reduzir a pegada da humanidade sem esmagar o crescimento dos países menos desenvolvidos.

Um estudo da Oxfam publicado em 2015 estimava que a pegada ecológica de quem faz parte do 1% com os maiores rendimentos era, pelo menos, 175 vezes maior do que alguém nos 10% mais pobres. Segundo a ONU, os países pobres e de rendimento médio-baixo, de onde virá 90% do crescimento populacional na próxima década, são responsáveis por apenas um sétimo das emissões mundiais de dióxido de carbono.

“O problema é a extrema desigualdade, o consumo excessivo dos ultra-ricos do mundo e um sistema que dá prioridade aos lucros em relação ao bem-estar social e ecológico. É aqui que devemos focar nossa atenção”, afirma Heather Alberro, especialista em desenvolvimento sustentável na Universidade de Nottingham Trent, no Reino Unido, citada pelo site The Conversation.

Até porque, na realidade, a população humana não está a aumentar exponencialmente, antes a desacelerar. Na tendência actual, a população global chegará aos 9 mil milhões em 2037 e atingirá o pico em 10,4 mil milhões entre 2080 e 2100, sendo que metade do crescimento projectado entre 2022 e 2050 ocorrerá em apenas oito países, cinco deles em África (República Democrática do Congo, Egipto, Etiópia, Nigéria e Tanzânia) e três na Ásia (Índia, Paquistão e Filipinas). E se no próximo ano a Índia irá, provavelmente, ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo, este ano, o continente africano já superou as populações combinadas da Europa e América do Norte.