2.11.22

Pobres sempre os teremos?

António Sílvio Couto, opinião, in Diário do Minho

Pobres sempre os teremos? (diariodominho.pt)



Os dados estão aí: já há pessoas a roubar, nos supermercados, para comer. Por seu turno, as entidades vendedoras começaram a colocar chips nalguns produtos para detetar aquela anomalia…Segundo dados confiáveis um em cada quatro portugueses (cerca de 27% da população) é considerado ‘pobre’, isto é, vive com 554 euros por mês.

Porque a questão tem algo de complexo valerá a pena registar dados, encontrar razões e, sobretudo, perspetivar soluções.

1. Nos tempos mais recentes este tema da pobreza e do empobrecimento ganhou outra dimensão porque agora vimos de já ter tido, enquanto em tempos mais recuados não tínhamos ainda conseguido meios nem condições, que perdemos em razão de nos ter vindo a faltar capacidade e recursos económicos. Em grande parte a população foi aliciada para o consumo e com isso era (é) preciso ter para gastar. Quando não tínhamos usufruído de bens, produtos e serviços não havia termo de comparação. Feita a experiência encolheram os recursos, muitos deles efémeros e transitórios, mas vivenciados… pela abundância.

2. À mistura com a deslocação da população para o litoral fomos perdendo a capacidade de contrabalançar a falta de meios primários com essa (dita) economia de subsistência que estava disponível, se trabalhado o campo. Mas boa parte da população deixou de saber lidar com a agricultura e passou a viver de empregos em base de operariado e sem ligação à terra, enquanto tinha à mão toda espécie de produtos nas vendas em grandes ou médias superfícies comerciais… tudo era barato e rápido, sem custo de trabalho feito… Ora, nada disto é saudosismo de alguma ruralidade, mas antes possível explicação de um empobrecimento crescente e numa fatia populacional que não conhece sequer de onde possa vir os produtos que consome… Repare-se ainda nos campos dados ao monturo, onde há cerca de três ou quatro décadas eram cultivados produtos de qualidade e que alimentavam as famílias e ainda com a correspondente capacidade de venda dos mesmos para cidades envolventes… Era assim na Moita!

3. A pobreza urbana, entretanto manifestada, começou a trazer-nos problemas, por vezes adiados por subsídios – muitos deles criando antes dependentes e/ou preguiçosos profissionais – com os quais os ‘políticos’ têm tentado captar votos e, nalguns casos, manipulando esses pobres. Efetivamente retirem os ‘pobres’ da linguagem, dos discursos ou das propostas de muitos políticos e ficarão sem tema de conversa.

As mais recentes iniciativas governamentais de ajuda em razão do aumento do custo de vida são um perfeito exemplo de exploração dos mais vulneráveis da sociedade, pois dão com uma mão e arrebanham com as duas o que dizem querer dar. Para que servem essas prebendas senão para tentar ludibriar os incautos, usar os desfavorecidos e tratarem-nos a todos como mentecaptos e imbecis? Por que não explicam as causas, preparando as pessoas para as consequências? Por que não assumem que não sabem fazer com justiça o que nos querem enganar com esmolas?

4. «Pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre» (Jo 12,8; Mt 26, 11). Esta frase de Jesus nos evangelhos contém algo de inquietante, não tanto pela distinção entre a Sua presença e a dos pobres, mas pela continuidade dos pobres, mesmo onde Ele é anunciado, conhecido e celebrado. Com efeito, se a mensagem de Jesus fosse levada a sério teria de haver menos pobres, pois senti-los-íamos como irmãos e faríamos tudo para que não houvesse injustiça de uns terem muito e outros passarem necessidade. Repare-se na identificação de Jesus com os pobres no texto do juízo final: o que fizestes (ou não) a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes (cf. Mt 25, 40). Não podemos é fazer-de-conta de que os pobres têm de estar em subalternidade social nem económica para lhes darmos por esmola o que merecem por justiça.

Uma nova pobreza emerge em circunstâncias de pessoas que, não sabendo conduzir a sua vida segundo os meios que têm, se acham no direito abusivo de viverem de expedientes e de espertezas de baixa ética/moral. Quanta pobreza é mais do que meramente material…