Texto de Ana Patrícia Cardoso | Fotografia de Reinaldo Rodrigues, in NotíciasMagazine
A propósito do Dia Mundial da Tolerância, Leonor Teles, a jovem realizadora que ganhou um Urso de Ouro no Festival de Berlim, fala da sua herança cigana e de como é viver com esse preconceito.
Queria ter ido para a Força Aérea mas, no último ano do secundário, mudou de ideias e o cinema ganhou uma realizadora e já conta com reconhecimento e prémios internacionais.
O primeiro trabalho surgiu em 2013, quando lançou a curta Rhoma Acans sobre as jovens que crescem dentro da comunidade cigana. A personagem principal, Joaquina, tinha 15 anos, um casamento falhado e queria sair da comunidade cigana para ser modelo. O trabalho ganhou o prémio Take One!, do Festival Internacional Curtas Vila do Conde, em 2013, e uma menção honrosa no Indie Lisboa.
O tema é-lhe familiar. O pai deixou a comunidade cigana de Vila Franca de Xira para casar com a mãe. Leonor estudou, formou-se em Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e concluiu um mestrado em Audiovisual e Multimédia. Apesar disso, tem ligação com a avó. «As pessoas pensam que são todos “ladrões”. E friso o “todos”, porque o erro está na generalização. Não é só na comunidade cigana que há ladrões. Há em todas», justifica.
Nem toda a gente sabe que Leonor tem um pai cigano, mas a jovem diz já ter sofrido preconceito. «Já ouvi coisas como ‘ah, mas tu és diferente, ou ‘tu não contas’. As pessoas acabam por achar um facto curioso, como se fosse uma característica extra e não propriamente inerente. Para mim, essa descendência é enriquecedora.»
Em 2016, continuou a usar o cinema como arma para combater o preconceito. Lançou a curta-metragem Balada de um Batráquio e conquistou Urso de Ouro, no Festival de Berlim. No documentário, Leonor é interveniente direta na ação e entra nos estabelecimentos comerciais de Lisboa e parte os sapos de louça que estão nas montras.
O que muita gente desconhecia é que este animal é utilizado para afastar ciganos, uma vez que a comunidade acredita que estes estão associados a rituais de bruxaria e que trazem azar para os negócios e família. A realizadora percebeu que pouca gente sabia deste costume e colocou-o em filme. E tinha razão.
«Essa foi a melhor “vitória” do filme: quem não sabia dos sapos começou a vê-los em todo o lado!»
«A primeira reacção (a nível internacional) foi perguntar se isto acontecia mesmo em Portugal e as pessoas não sabiam da existência deste fenómeno. Em Portugal, algumas pessoas desconheciam os sapos e o seu significado e mostraram-se bastante surpreendidas quando a partir do filme começaram a reparar que existiam sapos em todo a parte. E essa foi a melhor “vitória” do filme: quem não sabia dos sapos começou a vê-los em todo o lado!»