in Marta Reis, in iOnline
S. Bento foi de 126 deputados do ensino básico. Só aplaudiram de pé o PCP
“O senhor deputado faça o favor de se sentar que não lhe dei a palavra.” Joana é uma presidente firme. Vai dando palavra aos deputados de cada círculo, com a certeza de que têm de ir rodando e se é um minuto que têm para falar é para cumprir. “Vai ter de concluir, senhor deputado”, repete várias vezes.
Em discussão estão medidas para ultrapassar a crise, que viriam a dar corpo a uma recomendação formal ao governo. Chega a vez de André, deputado pelo círculo de Santarém, e a sala do Senado desmancha-se a rir. “Senhores deputados, vamos continuar a apostar na agricultura? É importante, mas vamos idolatrá--la? Não. Um quilo de couve vende-se a um euro, um computador a 500. De quantas couves vamos precisar para igualar um computador? Temos é de apostar na indústria, que trará muito mais valor à economia que a agricultura em si.”
Seguem-se aplausos e apupos, como é habitual na casa da democracia. Mas o assunto é sério e o consenso está longe, como mostra a resposta de Braga. “Nós temos capacidade para apostar em couves, não em computadores. Temos de aproveitar os nossos recursos, temos a maior zona marítima da Europa.” Outro argumento chega de Vila Real: aumentar as quotas? E o ambiente? “Vamos ser como o povo que só quando o poço seca é que sabe dar valor à água?”
S. Bento recebeu ontem a nona sessão nacional do parlamento dos jovens do ensino básico. Depois de um processo de eleição que começou em Janeiro e envolveu 91 269 alunos, 126 jovens deputados reuniram-se na segunda-feira para discutir propostas distritais e seleccionar 20 para o plenário, no qual tinham a missão de votar para eliminar dez. O processo é complicado, porque quando estão a votar “a favor” é porque estão contra e vice-versa. Quando já deviam estar a almoçar ainda falta votar quase metade das eliminações, apesar do pulso firme de Joana e das sua equipa, a que chama com piada “as meninas da mesa”. A cada ronda vão experimentando novas formas de contagem de votos, primeiro com os deputados a levantarem-se fila a fila e depois em blocos. Mesmo quando são repreendidos nunca perdem a compostura. Só um porta-voz levanta a voz para defender uma das suas deputadas a quem a bancada oposta chama comunista. Outro perde perdão, mas tem duas deputadas que precisam de ir à casa de banho, pedido a que chama delicadamente “interpelação à mesa”.
Se apostar na agricultura não é consensual, baixar o IVA para 21% também não é unânime. A palavra a um deputado de Lisboa:“Não é uma medida interessante. Estamos a falar de baixar 40 cêntimos numa factura de 20 euros e o Estado teria de encontrar alternativas para repor 3,7 mil milhões de euros que ia perder nas receitas”, diz. “Não é por 40 cêntimos que vão estar menos pessoas com fome.” O círculo de Leiria tem resposta: “Uma família pode pegar nestes 40 cêntimos e comprar quatro pães, matar a fome por mais um dia. Pode não ser muito, mas estas diferenças são significativas.”
Passadas duas horas, é oficial que o plenário tem um problema e na pausa de almoço Joana já acusa cansaço, enquanto é saudada com respeito pelos deputados. Das 20 propostas, não querem livrar--se de nenhuma, prova de que o consenso é exigente em tempo e argumentos.
No que toca a financiar novas empresas ou pôr o Estado a comprar antigas Scuts, mais divisões. Faz sentido criar novas empresas com recurso à banca quando sobejam as insolventes? Por outro lado, não seria possível exigir créditos com melhores condições? No caso das Scuts, o investimento permitiria passar de um encargo anual de 800 milhões de euros para um ganho de 600, diz Lisboa. Logo chega um aviso de Coimbra:“A única maneira seria pedir um empréstimo à troika. Não resulta. Troika nunca mais.”
Antes do debate, que continuaria tarde dentro, os deputado questionaram os seus pares reais. Os apelos à renegociação da dívida, e sobretudo as palavras do deputado do PCP Manuel Tiago, foram as que mais entusiasmaram. Foram mesmo as únicas a merecer por três vezes aplausos de pé. Com o PS, o tête-à-tête começou menos bem, com o círculo de Braga a questionar Carlos Enes sobre o estado da democracia e a dizer-lhe que os jovens não querem clichés e são hoje “daltónicos” às cores partidárias. “Vou tentar não usar clichés mas se calhar os seus não fugiram muito”, respondeu o deputado aos jovens de 14 anos, para depois dizer que o futuro estava nas mãos deles. Prefeririam a forma que Manuel Tiago usou para dizer o mesmo, lembrando palavras de Cunhal. “Tomemos nas nossas mãos os destinos das nossas vidas.”