3.7.13

Passagem à reforma deve depender dos anos de serviço e não da idade

Natália Faria, in Público on-line

Substituir a idade mínima pela longevidade da carreira para efeitos de reforma evitará a falência do sistema, defende Villaverde Cabral, que apresenta hoje um estudo sobre o envelhecimento em Portugal

Num país cada vez mais grisalho, a sustentabilidade da Segurança Social terá de passar pelo abandono da idade mínima para a reforma. "Em vez de termos um limite de idade, devemos passar a ter um mínimo de anos de descontos. Por exemplo, 40 anos. A partir daí, a pessoa pode continuar a trabalhar, se quiser, sendo severamente penalizada - muito mais do que hoje -, se se reformar antes de atingido esse período mínimo de descontos", defende Manuel Villaverde Cabral, coordenador do estudo sobre processos de envelhecimento em Portugal que é hoje apresentado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Lisboa.

Porque o sistema actual de reformas está "completamente falido", o sociólogo sustenta que a flexibilização da idade de reforma poderá ajudar a reequilibrar o sistema. E, ao mesmo tempo, ajudar a dar resposta aos que, no estudo, demonstraram pré-disposição para continuar a trabalhar após a reforma. "E aqui o dinheiro surge apenas como terceira motivação", sublinha Villaverde Cabral, que defende também a introdução de um plafond máximo para as reformas pagas pelo Estado - em Espanha é de 2800 euros.

A idade média da entrada na reforma em Portugal fixa-se nos 62 anos. "O ano passado pode ter descido aos 61 anos, porque muitas pessoas pediram a reforma antecipada. Mas, embora continue mais alta do que na Europa, a idade média cá tem vindo a diminuir, enquanto lá fora a tendência é para aumentar", sublinha.

Atente-se nos números para perceber a dimensão do envelhecimento em Portugal. Em 2012, por cada 100 jovens residiam em Portugal 131 idosos (estimativas do INE). No mesmo ano, a natalidade bateu o mínimo histórico: 89.841 nados-vivos para 107.598 óbitos. Não surpreende neste cenário que o aumento da esperança média de vida (76,67 anos para os homens e 82,59 anos para as mulheres) tenda a ser negligenciado como ganho civilizacional para aparecer no discurso político como algo negativo.

"Os princípios do envelhecimento activo têm sido usados para justificar o adiamento da idade da reforma, ditado sobretudo pela necessidade de assegurar a sustentabilidade financeira da Segurança Social", nota o estudo. Mais adiante, o documento acusa a "acção governativa" de estar mais preocupada em aliviar as despesas com as pensões do que em considerar mudanças profundas capazes de adequar o mercado de trabalho ao envelhecimento da população.

Apesar de apontarem como "desejável" que a inactividade surja o mais tarde possível na vida das pessoas, os especialistas deixam claro o alerta: "O adiamento da idade da reforma para limiares próximos dos 70 anos pode, no entanto, minar a desejável transição gradual entre a actividade e a inactividade, fazendo com que ela ocorra, como acontece hoje, de uma forma abrupta."

Recusando assim que o envelhecimento activo seja usado como justificação para o aumento das carreiras activas e contributivas, os especialistas sugerem que "a actividade profissional pode começar a diminuir a partir dos últimos anos da carreira e prolongar-se para além da idade da reforma, dependendo das condições de saúde e da vontade da pessoa". Trata-se, no fundo, de flexibilizar a transição entre actividade e inactividade, "de modo a que esta não represente uma passagem brusca, mas antes flexível e gradual, comportando diferentes possibilidades".

Sendo verdade que "sem a participação na vida activa dificilmente se conseguirá evitar a secundarização das pessoas idosas", convém também não esquecer que o trabalho não funcionará como elemento integrador, se causar danos à saúde. Antes, "tem de ser capaz de adaptar-se aos condicionalismos da idade e ser uma fonte de auto-satisfação". Dito de outro modo: "Sem uma adequação do trabalho ao envelhecimento, o prolongamento da vida activa dificilmente será benéfico". Por um lado, "os níveis de qualificação continuam pouco elevados". Por outro, os de saúde "são ainda pouco satisfatórios em determinados segmentos da população activa, especialmente na mais envelhecida".

Logo, na perspectiva da produtividade, "o aumento da idade de reforma é susceptível de trazer problemas adicionais ao envelhecimento da população activa, não só em termos de condições de saúde (...), mas também em termos de formação, em virtude do seu acelerado desajustamento às exigências tecnológicas, tornando a segunda parte da carreira mais exposta a riscos e mais difícil de gerir".

O estudo baseou-se em mil entrevistas a pessoas com 50 e mais anos de idade, entre Maio e Setembro de 2011. Entre os que já estão reformados, a esmagadora maioria (80%) respondeu negativamente à pergunta sobre a pré-disposição para continuar a trabalhar. "Entre aqueles que desejariam fazê-lo (...) manter-se ocupado, sentir-se útil ou gostar do que se faz são as motivações principais."

Apesar das ideias em torno do envelhecimento activo, que apontam para a referida transição gradual entre vida activa e inactiva, 61,2% dos inquiridos declararam ter-se reformado na altura certa e apenas 30% disseram que teria sido preferível ter continuado a trabalhar.

Segundo os autores do estudo, a passagem à reforma perdeu a carga dramática de outros tempos. "Dir-se-ia que o seu entendimento da reforma está contra as actuais tendências de prolongamento da vida activa", conclui o estudo, atribuindo este facto às longas trajectórias profissionais apresentadas.

Já entre os que ainda se encontram activos - cujos percursos profissionais se iniciaram menos prematuramente, devido a uma maior escolaridade - é maior a disposição favorável ao prolongamento da vida profissional. "Não pensam necessariamente na reforma como um período pós-trabalho", salienta o estudo, aludindo, porém, à atitude pessimista que estes denotam em relação ao futuro, "designadamente no que respeita ao risco de desemprego", e ao facto de fazerem depender tal predisposição aos incentivos que lhes vierem a ser apresentados.