14.2.14

O que fazer aos desempregados num mundo de robots?

Henrique Monteiro, in Expresso

Portugal, apesar dos festejos e das maledicências, dos orgulhos e das depressões, tem um problema que não vai ser resolvido tão cedo: o desemprego.

O desemprego estrutural, que costumava oscilar neste país entre os cinco e os sete por cento parece que anda a fixar-se entre os 12 e os 15 por cento, ou seja, o dobro.

Ao contrário do que por aí se diz, por simplicidade, isto não advém apenas da política e da vontade deste (ou doutro governo). Salvo se forem adotadas medidas tipo soviéticas, que criavam emprego mesmo não necessário (por exemplo, nas caixas de supermercado havia dois trabalhadores, um para registar os produtos e outro para pôr nos sacos, além de haver caixas em quase cada corredor de um supermercado), não é fácil baixar estes números.

Acresce que as empresas tendem, cada vez mais, a ser de capital intensivo e não de mão-de-obra intensiva. A robotização ao substituir pessoas em vez de nos conduzir à ambicionada sociedade do lazer tem transformado cada vez mais trabalhadores em espécie de escravos do trabalho, com os seus salários a descer abruptamente e os horários de trabalho a aumentar. A robotização é imparável. Os robots não fazem greve, não reivindicam, não se associam. Mas também não consomem. A esse respeito, o colunista do Financial Times (FT) Martin Wolf, contava uma história curiosa: quando o líder do sindicato dos operários da indústria automóvel visitou uma fábrica robotizada da Ford, o gestor da unidade perguntou-lhe ironicamente: como vai cobrar quotas aos robots? Ao que o líder sindical deu uma resposta brilhante: E como é que o senhor os vai pôr a comprar automóveis?

O problema não é, pois, só do lado do trabalho. É um problema estrutural da sociedade. Embora possa haver (e esteja a haver) uma transferência de dinheiro dos trabalhadores para os donos das fábricas, uma legião de gente sem emprego e sem dinheiro para consumir não faz nada por uma economia e dispensa o esforço das fábricas.

No início da revolução industrial foi o trabalho dos artesãos a ser substituído por máquinas; a meio do séc. XX, com os computadores, foram trabalhadores de serviços a serem dispensados; hoje em dia - e socorrendo-me dos números do FT e de Wolf, que cita um estudo de Carl Frey e Michael Osborne -, 47 por cento (isto é, quase metade) dos empregos nos EUA estão ameaçados por processos robóticos ou automatizados.

Se escrevo sobre isto é também porque comecei a trabalhar em jornais quando estes ainda tinham gráficas próprias, com os seus tipógrafos e litógrafos; motoristas e carros para distribuir os jornais pelo país e para transportar jornalistas; operadores de telex para o que fosse necessário; revisores para compararem o trabalho dos tipógrafos com os originais dos jornalistas; trabalhadores e laboratórios de revelação de fotografia; estafetas; contínuos, muitas secretárias-datilógrafas. Tudo isto desapareceu. E não se deve a qualquer política específica ou vontade particular. Desapareceu porque se tornou obsoleto

A discussão sobre o desemprego não pode ser feita com conceitos do séc. XX. Temos de começar a perceber o que fazer com inúmeros braços que, com ou sem habilitações, ficam progressivamente tão obsoletos como ficaram os ferreiros ou os moleiros. Mesmo na intermediação as coisas estão a mudar rapidamente. Hoje compram-se livros e discos desmaterializados em lojas online e aquilo que não é desmaterializável é escolhido, tantas vezes em sites e não em montras e expositores de lojas e armazéns. As próprias lojas tradicionais tendem a ficar obsoletas.

Há todo um mundo novo e, infelizmente, a discussão política que presenciamos em Portugal não o leva em conta.

Amanhã, voltarei ao tema.