Celso Filipe, in Negócios on-line
A vitória de Macron nas presidenciais francesas é muito mais do que uma injecção de calma para quem receia os extremismos. É sobretudo um desassossego para os actuais sistemas de representação política.
A vitória de Emanuel Macron nas presidenciais francesas é muito mais do que uma injecção de calma para quem receia os extremismos. É sobretudo um desassossego para os actuais sistemas de representação política e os seus protagonistas. Macron, um liberal europeísta, derrotou na primeira volta os candidatos apoiados pelas máquinas partidárias e travou a batalha final com Marine Le Pen. Muitos foram forçados a "engolir um sapo" – expressão popularizada por Álvaro Cunhal em 1986 quando recomendou o voto em Mário Soares para derrotar Freitas do Amaral – votando em Macron para evitar a vitória da extrema-direita, personificada na líder da Frente Nacional.
O novo presidente francês é uma versão 2.0 da terceira via, corrente de pensamento popularizada no final da década de 90 por Tony Blair. A terceira via do antigo primeiro-ministro inglês e também de Clinton surgiu num ambiente de crescimento económico, em que a ideologia passou a ser vista como uma ferramenta despicienda. Esta terceira via 2.0, procura ser uma resposta aos extremismos populistas que emergiram em resultado do fiasco das estratégias da terceira via original, consubstanciadas num empobrecimento progressivo da classe média europeia e no medo que entretanto se instalou no Ocidente, fruto de políticas externas inconsequentes que desestruturam o Médio Oriente.
A chegada de Macron ao Eliseu transmite tranquilidade, mas é apenas mais um episódio da prolongada "era do vazio" que o Ocidente vive, tal como foi definida por Giles Lipovetsky, uma sociedade marcada pelo desinvestimento público e a menorização do papel das grandes instituições políticas, morais e sociais.
A visão egocêntrica de boa parte do eleitorado e o crescente empobrecimento das nações é pasto suficientemente seco para atear ainda mais o fogo dos nacionalismos, o qual se alimenta de promessas proteccionistas e mais segurança. A resposta de Macron e seus pares a esta realidade, por enquanto, pode ir evitando males menores, mas é manifestamente insuficiente para dar conforto no futuro. Sem uma trajectória de reentrada numa era de crescimento económico e consequente devolução de rendimentos, a Europa estará cada vez mais à mercê de forças como a Frente Nacional.
Neste sentido, a vitória de Macron é apenas um paliativo para uma doença que carece de um tratamento mais sofisticado. Um facto que ficará patente nas legislativas francesas de Junho. Le Pen poderá ter perdido as presidenciais, mas a Frente Nacional irá emergir nesse acto eleitoral em todo o seu esplendor, sublinhando a urgência de mudanças que vão muito além de uma terceira via 2.0.