Por Carlos Carreiras, in iOnline
A economia social está ao serviço de um novo tipo de Estado, onde as pessoas contam como pessoas e não como números, e humanista, em que ninguém é deixado para trás
"Carta de Cascais para a Economia Social." Fixe este título: é nele, e principalmente no documento a que Cascais empresta o nome, que estão inscritas muitas das pistas para uma nova economia e para um novo modelo de Estado em Portugal. Foi essa a discussão que marcou o debate do I Congresso Internacional da Economia Social, que se realizou no passado fim-de-semana, no Estoril. É essa a discussão que aqui trago hoje pela sua relevância e sentido estratégico.
Apesar de andar pela praça pública há anos, a importância da "economia social" ainda não é imediatamente reconhecida. O que é então a economia social? É um sector em que uma vastíssima malha de solidariedades, de confiança e de esperanças, sendo colocada ao serviço da pessoa tem efeitos positivos em toda a comunidade. É uma economia cujo objecto final não é o lucro mas sim o valor, que não se serve das pessoas mas que serve as pessoas. Por fim, uma economia que não se rege nem por mãos invisíveis, nem por entidades globais abstractas, nem por 'ratings'; rege-se por mãos visíveis, próximas, e o seu resultado é o êxito da comunidade. Fazem parte da economia social as Associações (cultura ou recreio), as Mutualidades, as IPSS, as Fundações e as Cooperativas, um sem número de actores que são força vital das sociedades democráticas. Instituições que vão onde o Estado não vai, que sabem o que o estado não sabe, que fazem o que o Estado não faz e que algumas vezes estão onde o Estado não quer estar.
Por ser aquilo que é, a economia social está ao serviço de um novo tipo de Estado: um Estado próximo, onde as pessoas contam como pessoas e não como números, um Estado Humanista em que ninguém é deixado para trás.
Para os adeptos dos números que possam ainda não estar convencidos, a economia social representa 2,8% do valor acrescentado bruto da nossa economia, é responsável por 5% dos empregos remunerados e pode valer 10% do nosso produto interno bruto - o equivalente ao sector turístico.
Tudo razões que fazem este sector merecedor de toda a nossa prioridade na acção política. Foi isso que fez o governo. E bem. Ao ter garantido salvaguardas fiscais em matéria de IVA e de IRC para os operadores do mercado social, ao regularizar dívidas antigas e ao aprovar um plano plurianual de investimento que garante previsibilidade, o governo acautelou a sustentabilidade daquela que já hoje é uma das espinhas dorsais do nosso desenvolvimento. No país da crítica fácil, é justa uma palavra de reconhecimento do excelente trabalho de por Pedro Mota Soares e Marco António Costa, dois homens que mostram que é possível fazer política e escolhas políticas inteligentes num país em que as opções políticas ficaram fortemente limitadas pela intervenção externa.
Contudo, o governo fez mais do que repor a justiça e garantir a normal actividade do sector. Compreendendo que a "economia social" tem de deixar de ser o parente pobre da "Economia", Portugal tornou-se, a par de Espanha, um país pioneiro na legislação para a economia social ao nível europeu. Sob proposta do executivo, foi aprovada por unanimidade a nova Lei de Bases da Economia Social. Da esquerda à direita, os partidos uniram-se num exercício de excepcional concordância. Isto só mostra que afinal as divergências não são assim tão profundas e que, no fim do dia, podemos encontrar caminhos para tirar Portugal da crise.
Por ser um sistema em que todos os intervenientes contam, a economia social mostra que é possível fazer mais, melhor e com menos. Por ser a economia da cidadania, por implicar a democratização da economia, a economia social é uma economia nova para um tempo novo que pode, inclusivamente, trazer novas moedas locais. É isso que estamos a estudar em Cascais. Reflexões que deixo para a próxima crónica, depois de aqui termos recebido, a partir de hoje e durante os próximos dias, o Congresso Internacional da Democracia Participativa, para o qual o leitor está convidado.