por Fernanda Câncio, in Diário de Notícias
Muitos anos antes de o empreendedorismo surgir no discurso governamental como panaceia para todos os males, a autarquia de Loures criou um departamento pioneiro para ajudar desempregados a elaborar o projeto de criação do seu posto de trabalho. São os centros de emprego, que há muito deixaram de prestar esse serviço, a remeter os interessados para lá.
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"Agora fala-se muito de empreendedorismo, mas há muito tempo que aqui estamos atentos a isso." Nuno Almeida, 42 anos, funcionário do Serviço de Apoio à Criação de Empresas e de Emprego (SACE) da Câmara de Loures, tem como incumbência ajudar desempregados a criar o seu próprio emprego, através da possibilidade de requerer a entrega integral das prestações do subsídio de desemprego como capital inicial (até 2009 existiam subsídios a fundo perdido, que acabaram).
"A maior dificuldade que as pessoas encontram é na construção da candidatura, que é complicada - podia muito bem ser mais simples. De modo geral, não sabem fazer um plano de negócios, que passa por dizer quem é a pessoa, o que faz, quem são os seus clientes e por fazer uma estimativa de custos e de vendas. Damos-lhes pistas, ferramentas para trabalharem, e vamos acompanhando, quer em atendimento presencial, que fazemos três manhãs por semana, quer por e-mail. E no fim, quando está tudo feito, transformamos a linguagem das pessoas na linguagem do Instituto do Emprego e Formação Profissional [do qual depende a aprovação do projeto]", explica Nuno Almeida. "Que eu saiba, na área de Lisboa só existe um departamento semelhante em Odivelas, e é só para os munícipes. Nós no SACE somos o único serviço que faz isso grátis e aceita pessoas de outras cidades. Claro que existe a hipótese de fazer o projeto recorrendo ao mercado, mas aí é preciso pagar. Seria importante haver mais serviços como este."
Criado em 2000 para prover às necessidades locais, o SACE acabou por acolher toda a gente que apareça - e que é para ali remetida não só pelo passa palavra entre desempregados como pelos próprios funcionários dos centros de emprego. Só em 2012, Nuno Almeida e as colegas (duas outras funcionárias) atenderam cerca de 3000 pessoas, 96% das quais com o intuito de criar uma empresa. De que a maioria tem mais de 40 anos: 50% têm entre 41 e 50 e 30% entre 51 e 65. Trata-se, pois, de um universo de pessoas que dificilmente encontra colocação no mercado, com 53% de mulheres. Mas, adverte o funcionário do SACE, "a maior parte não tem características para ser empresário e há muita gente que fica pelo caminho, que não chega a fazer o projeto. Porque há riscos e condições que é preciso observar. Tem de manter o negócio três anos sob pena de ter de devolver o dinheiro ao Estado." Ou seja, perder o subsídio que se recebeu, de uma só vez ou em parte (a lei permite que o desempregado crie uma empresa com uma porção das prestações a que tem direito e continue a receber mensalmente o remanescente). "Recorrer a isto implica pensar bem. As pessoas chegam-nos aqui muito entusiasmadas, pensando que isto é a solução. Também temos o papel de as fazer descer à terra."
O que explica que só 425 projetos tenham sido apresentados em 2012 com o auxílio do SACE. Dos quais só 65 foram aprovados, com um investimento médio de 17 mil euros. 2012 foi aliás um ano em que a nível nacional a taxa de aprovação dos projetos apresentados diminuiu. Facto que parece contraditório com a constatação, no SACE, de uma cada vez mais elevada qualificação dos promotores desempregados (40% em 2012 tinha formação superior) , com cada vez mais projetos nas áreas de consultoria, científicas, técnicas, etc.
"Queremos também fazer um acompanhamento dos projetos aprovados, queremos saber o que aconteceu às pessoas depois." Em suma, alguém que quer saber. Para variar.