12.7.13

A história de uma desempregada que não desiste

por Fernanda Câncio, in Diário de Notícias

Só nos primeiros cinco meses do ano mais de 50 mil pessoas juntaram-se ao "clube" de Sónia Fernandes, o dos desempregados sem direito a qualquer subsídio. Apesar de em três anos ter conseguido apenas duas respostas de empresas, Sónia não desiste e até conseguiu criar o site World"s Failurists Congress para ajudar todos a aprenderem com os falhanços

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"Houve uma fase em que mandava às empresas que não me respondiam e-mails épicos a explicar porque é que não serviam para eu lá trabalhar. É uma sensação de desespero horrível e a raiva tem de sair por algum lado. Às tantas recebemos tantos nãos que em vez de pensar que é o mercado pensamos que somos nós. Em três anos só duas empresas me chamaram. Duas. Acho que me qualifico como desempregada de sucesso." Ri.

Se há coisa que não falta a Sónia Fernandes, 34 anos, é ironia. E verve. E energia, tanta. Licenciada em Recursos Humanos com uma pós-graduação em Comunicação e Imagem, está há três anos e quatro meses com a vida "em standby", desde que perdeu o seu último emprego de responsável pela formação numa empresa de software. Recebeu subsídio durante 18 meses (tinha trabalhado e descontado menos de 11 anos), e não teve direito a mais nenhum apoio (subsídio social de desemprego, por exemplo) porque não sabia que o podia pedir e quando soube "tinha acabado o prazo. Disseram que eram dez dias mas parece que afinal eram dez minutos".

A fase da raiva, diz, passou, como a do cinismo. Agora sente-se mais "aceitante". Mesmo se tanta coisa na sua vida é difícil de aceitar: com casa e carros próprios e uma vida totalmente independente desde os 20 e poucos anos, vê-se na situação de viver à custa dos pais. "Sou um encargo enorme. Não estou sobre os ombros deles, estou mesmo à volta do pescoço." Já quis arrendar a casa para que a prestação que paga ao banco e demais despesas com a respetiva manutenção - totalizando uns 500 euros - não pesassem sobre os progenitores. "Eles dizem que preferem que eu aguente a casa, que mantenha a minha independência nesse aspeto mesmo se passo mais tempo na casa deles do que na minha. Como lá - sai muito mais barato que o luxo de estar a comprar comida só para mim à custa deles - e vou para lá logo de manhã por causa da Net, que em minha casa não tenho. Às vezes uso a do vizinho, já lhe agradeci." Suspira.

"Procuro trabalho, mando CV... Já tentei tudo. Até mentir no CV, omitir habilitações para não acharem que sou demasiado cara. Até me chamaram de uma empresa porque, disseram, gostaram muito do meu CV que me queriam conhecer. Mas avisaram logo que o lugar que tinham não era para mim porque pagavam 300 euros por mês a recibo verde." Repete: "300 euros a recibo verde?!" Não que Sónia nunca tenha trabalhado para aquecer, ou que não estivesse disposta a receber bem menos que o seu último salário (1400 euros). "Como sou bilingue [viveu muitos anos com a família na Austrália], consegui aguentar um ano e pouco a dar aulas e a tentar arranjar projetos de consultoria. Pagavam-me dez euros por hora de aula. Moro em Samora Correia e aos sábados tinha de ir para o Barreiro, cem quilómetros ida e volta para dar três horas e ganhar 30 euros. Gastava 20 em gasóleo. Era mais para estar ocupada."

É difícil, comenta, explicar a quem não está na mesma situação aquilo porque está a passar. "Retraio-me mais, deixei de sair, passo muito mais tempo em casa, não vejo as pessoas tão frequentemente. Sinto um complexo de inferioridade perante os que têm emprego, fartei-me das conversas da coitadinha e de sentir que olham com aquela cara de achar que estamos desempregados porque queremos, porque há muitas Wortens, muitas fábricas, tanto tomate para apanhar, tanta batata. Esquecem-se que hoje é tudo feito por máquinas. E depois também há o facto de ser uma lembrança viva do que pode suceder aos outros. E ninguém gosta de se lembrar de que pode ficar desempregado."

Talvez, porém, pensou Sónia, da experiência da amargura e da frustração se possa retirar algo. Pensou na frase de Beckett - "falhar outra vez, falhar melhor" - e no que ela significa: todos os sucessos são feitos de tentativa e erro. "Comecei um projeto sobre isso. Achei que as pessoas podiam aprender mais com o falhanço do que com o sucesso e resolvi organizar dois congressos, no Porto e Cascais, sobre falhanço." Escolheu um nome em inglês: World"s Failurists Congress. No site (wfc.pt), explica o conceito: "O sucesso é oásis perigoso que ilude e desilude; o falhanço, torneira que pinga sem descanso mas que enche, aos poucos, o proverbial copo. (...) Venha falhar connosco; juntos, falhamos melhor." Conseguiu que lhe oferecessem os locais, oradores a custo zero, um site e alojamento de borla. E, confessa, pensou: "Agora é que alguém vai pegar em mim. Mas nada. Se calhar pensam que é de mais ou se calhar não, acham que não é um feito formidável o que fiz, completamente sozinha. E agora estou com a depressão pós-parto. Claro que era um entretém para não enlouquecer, que continuo a enviar CV. Mas fiquei desiludida com F."

Há dias em que pensa na sua dupla nacionalidade (portuguesa e australiana) e na possibilidade de voltar a emigrar. "As pessoas perguntam porque não vou para lá. Mas fui emigrante quando fui para lá, fui emigrante quando voltei. Acho que não tenho coragem de voltar a passar por isso. E é o outro lado do mundo - apesar de tudo sinto-me mais portuguesa que australiana."