Por Carlos Diogo Santos, in iOnline
Marta Baeta reconhece o perigo que correu mas diz não ter desistido ainda de ajudar as crianças da Kibera, uma favela com 2,5 milhões de pessoas
Estava há três semanas no Quénia a ajudar as crianças da maior favela do mundo quando, horas antes do incêndio que em Agosto destruiu parte do aeroporto de Nairobi, decidiu fazer queixa de uma escola que cobrava às crianças dinheiro a mais pelo acesso à educação. A segunda viagem de Marta Baeta, de 24 anos, ao país acabou nesse momento. Expulsa do local onde trabalhava, mas sem forma de regressar a Portugal, a jovem licenciada em Relações Públicas admite agora ao i ter receado pela sua segurança. Enquanto esperou pela viagem de volta não recebeu qualquer apoio diplomático, apesar dos vários contactos dos seus pais.
Não era a primeira vez que Marta Baeta se aventurava por terras quenianas: em Novembro do ano passado aceitou um convite da AIESEC, uma organização sem fins lucrativos, para fazer um estágio de três meses na Kibera - a favela que abriga 2,5 milhões de pessoas, um quarto da população de Nairobi. Marcou-a o cheiro de dejectos e da comida que apodrecia no chão enquanto as crianças se arrastavam em brincadeiras por entre os corredores sem fim de barracas improvisadas. A falta de produtos básicos, o crime generalizado e os professores sem dinheiro para porem os filhos na escola são imagens que ainda hoje, diz, não lhe saem da cabeça.
Em Fevereiro regressou a Portugal e encontrou no mundo virtual uma resposta para os problemas reais daquelas pessoas, que não a deixavam dormir. Através de uma página de Facebook conseguiu sete mil euros, para, à distância, comprar roupa para 16 crianças e pagar-lhes todas as despesas de educação durante um ano lectivo. Além disso, recuperou parte de um infantário da Kibera, o mesmo de onde foi expulsa este Verão: "Recuperámos parte desse infantário e colocámos luz natural nas salas, usando, para isso, garrafas de plástico", conta Marta Baeta ao i.
Corria o mês de Julho quando decidiu voltar ao Quénia por quatro semanas com os restantes quatro mil euros no bolso e muitas ideias na cabeça, entre elas um rastreio de HIV para várias crianças. Em poucos dias, a recusa em pactuar com a corrupção queniana pôs fim a tudo. "Quando cheguei percebi que a escola me tinha cobrado dinheiro a mais por cada uma das crianças que estava a financiar e fiz queixa ao Ministério da Educação", explica a jovem que admite ter deixado "os pais em estado de pânico com esta decisão".
A participação entrou no ministério, dia 6 de Agosto, poucas horas antes do incêndio no aeroporto de Nairóbi. No dia seguinte os inspectores da Educação deslocaram-se às instalações da Olympic School e, no dia 8, Marta Baeta era expulsa do infantário, próximo da escola que denunciou. Sozinha numa mega favela - onde até então só entrava com os responsáveis do infantário - viu-se obrigada a voltar para Portugal, mas ao mesmo tempo impedida de o fazer devido ao acidente no aeroporto da capital queniana.
Desvio de dinheiro investigado Segundo o i apurou, do valor pago por Marta Baeta à Olympic School - para que recebessem algumas crianças durante um ano - mais de mil euros poderão ter sido desviados pelo director e por funcionários da secretaria. A instituição, que recebe crianças do 1.o ao 12.o ano de escolaridade e que tem centenas de alunos, já foi alvo de uma fiscalização e estará a ser investigada. "Sei que os inspectores do ministério foram lá logo no dia seguinte. Aliás, quando sou expulsa do infantário, a conversa é iniciada com esse assunto", explica Marta Baeta esclarecendo que as autoridades chegaram mesmo a ir ao infantário onde de-senvolvia as suas acções e a falar com os responsáveis.
A jovem, que não imagina seguir para já uma carreira em relações públicas, continua na expectativa de um dia regressar à Kibera, uma favela que tem uma taxa de crescimento estimada em 17% por ano. A pensar nisso, e aconselhada pela ONG portuguesa que também trabalha na Kibera, a ADDHU, fez a participação no ministério em nome de outra pessoa, natural do Quénia. "Fui aconselhada a fazer em nome de uma pessoa que pertence a essa organização portuguesa, apesar de ter acontecido comigo."
Marta Baeta chegou a Portugal há poucos dias, mas já fez vários contactos com outras escolas da favela queniana de Kibera. Certa de que não voltará a colaborar com as instituições que a enganaram, nem com a que a expulsou após a denúncia, diz ainda não ter desistido de contribuir para o futuro daquelas crianças, que todos os dias comem feijão com milho e brincam no lixo.