David Rodrigues, in Público on-line
Há mais de 60 anos iniciou-se nos países nórdicos um movimento educativo que se designou por “normalização”. Este movimento, partindo da análise dos resultados educativos que crianças e jovens tinham em instituições especializadas – as chamadas “escolas especiais”, propunha que se normalizasse a vida destas crianças e jovens.
Normalizar, ao contrário do que algumas opiniões mais apressadas quiseram interpretar, não é tornar as pessoas “normais” (as condições de deficiência continuam a existir), mas sim a de proporcionar a estas pessoas condições “normais”, isto é em tudo semelhantes às que dispõem as pessoas que não têm uma condição de deficiência, de desenvolvimento, de autonomia e de participação. É este o movimento inspirador da “integração escolar” isto é aquele que inspira as primeiras experiências de educação das crianças e jovens com condições de deficiência na escola regular.
Muito tempo passou sobre estes esforços pioneiros e temos hoje a evidência de que é possível e desejável que os alunos com mais dificuldades não sejam separados, segregados, ostracizados em estruturas de ensino “especiais”.
Separados dos seus colegas que frequentam a escola regular, estes alunos acabam por ficar “longe da vista e longe do coração”.
A partir daqui numerosas declarações e convenções patrocinadas por organizações internacionais tais como a UNESCO, a OCDE e a ONU publicaram textos bem claros sobre o direito à educação inclusiva que os alunos com condições de deficiência têm. Citaria a este respeito só um dos artigos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 24.º, 2. b), ratificado por Portugal (71/2009 e 72/2009), que afirma “(deve ser assegurado que) As pessoas com deficiência possam ter acesso a um ensino primário e secundário inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade com as demais pessoas nas comunidades em que vivem”.
No seguimento de todo um grande e permanente esforço legislativo, o Conselho de Ministros da Conselho da Europa, aprovou a 16 de Outubro passado uma recomendação aos estados membros “assegurando a plena inclusão de crianças e jovens com deficiência na sociedade”. O documento pode ser consultado na íntegra aqui.
Bom, qual é a novidade que este documento nos trás? Na verdade e em termos puramente legislativos nada de muito diferente do que se encontra escrito sobre o assunto no nosso país. Havemos de regressar à sua análise para falar das inovações. Interessa agora realçar que Portugal, fruto de um trabalho continuado que nos devia orgulhar e que nos destaca pela positiva face a muitos outros países europeus, adoptou e acarinhou uma política de educação inclusiva nas escolas públicas. Só assim se explica que cerca de 95% de alunos com deficiência sejam educados no local certo para os educar: a escola regular – alguém poderia pensar que o local mais adequado é um hospital ou outra estrutura que não seja uma Escola?
Este esforço continuado é, sem dúvida, um dos aspectos mais diferenciadores pela positiva do nosso sistema educativo. Quer isto dizer que tudo o que se passa é bom e positivo? Claro que não. Estamos a falar de sistemas humanos e não da corte celestial… Muitos aspectos deste modelo inclusivo poderiam funcionar muito melhor se:
a) os recursos proporcionados às escolas fossem os necessários para responder às necessidades de todos os alunos que as apresentam;
b) houvesse uma clara política de promoção do sucesso de todos em lugar da satisfação com o sucesso da maioria;
c) a escola fosse apoiada, pela formação e pelos recursos materiais e humanos, para melhorar as suas práticas de equidade e de inclusão, etc. etc.
Existem presentemente grandes carências no nosso sistema de apoio aos alunos com dificuldades. O primeiro passo para se empreender uma sincera melhoria neste sistema é termos o que ainda não temos: dados objectivos sobre os recursos instalados e seu funcionamento.
Recentemente um responsável do Governo disse que a Inspecção-Geral da Educação está a monitorizar estes processos mas a avaliação tem de ser feita para além dos parâmetros estritamente administrativos que aquela pode fazer.
É pois bem-vinda esta recomendação do Conselho da Europa. Ela confirma que Portugal foi percursor em matéria de inclusão educativa e que está no caminho certo. Esperamos agora que os responsáveis governativos tenham lido a fábula da tartaruga e da lebre e que saibam que a distância até à meta não se cobre com palavras, com “novos” conceitos de inclusão, mas sim com políticas inclusivas claras, apoiadas e lúcidas.
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial