por Jornal de Negócios
João César das Neves considera que as manifestações, as greves e a contestação que tem havido em Portugal não têm como objectivo defender os mais pobres, mas sim as “classes acima”.
“Em Portugal não há manifestações de mendigos, miseráveis e necessitados. São antes os remediados, que se consideram carentes, que fazem as exigências em nome dos silenciosos”, afirma João César das Neves no seu artigo de opinião, esta semana intitulado “A pobreza do discurso”, publicado semanalmente no “Diário de Notícias”.
O professor universitário salienta que “a maioria dos que falam em nome dos desprovidos estão realmente a defender as classes acima, mesmo se nos extractos mais baixos. As medidas contestadas não tocam os verdadeiros pobres, geralmente alheios aos políticos, até de esquerda.”
“Boa parte da retórica de contestação baseia-se neste mal-entendido, em que burgueses passam por infelizes. Entretanto, os verdadeiros desgraçados, mudos como sempre, ainda têm de ouvir os muitos aproveitamentos do seu nome”, acrescenta.
César das Neves realça ainda que “as greves dos serviços públicos não se destinam a proteger os desvalidos, que aliás são os que mais sofrem pela falta de transporte e outros sistemas.”
Mas esta realidade, realça, não é nova. “Reis, imperadores e governantes nunca se interessaram pelos desgraçados, quando não os perseguiam. O poder não gosta dos pobres e estes confiam mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes.”
César das Neves diz ainda que “a quase totalidade dos que elaboram sobre pobreza não são pobres”, algo que considera “natural”, já que “os verdadeiros necessitados, por o serem, não têm voz ou influência. Captar auditório é, em si mesmo, um importante activo, que falta aos indigentes. Por isso, aqueles que ouvimos falam de algo que de facto não experimentaram, e em geral mal viram.”