por Fernanda Câncio, in Diário de Notícias
Um país com altíssimo nível de vida, como o Luxemburgo, tem uma taxa de risco de pobreza maior do que a de países com muito menor rendimento.
Nos EUA, a taxa de pobreza é definida em função de um limiar dito "absoluto", fixado num determinado montante - considerado o rendimento mínimo para a subsistência -, calculado para uma família de quatro pessoas. Em 2008, era de 21 200 dólares, ou 16 383 euros (antes de impostos). Na Europa, a partir de 2001, o limiar é relativo: está em risco de pobreza o indivíduo cujo rendimento corresponde a menos de 60% do rendimento mediano nacional equivalente (a saber, o rendimento disponível na família dividido pelo número de membros, usando uma fórmula de economia de escala em que cada adulto adicional vale 0,5 e cada menor de catorze 0,3) - o que em Portugal dá 883 euros/mês para um casal com dois filhos menores. Usando a forma de cálculo europeia anterior, que se referia a 50% do rendimento mediano, a taxa de pobreza nos EUA passaria, em 2000, de 11,3% para 24% - mais do dobro, portanto.
A taxa de pobreza "à europeia" depende, pois, do rendimento global do país. O que conduz a resultados aparentemente paradoxais, como se frisa em Contar os pobres (Counting the poor, Oxford University Press, 2012): "Em países relativamente bem em termos económicos, onde o rendimento mediano aumentou num dado período, a pobreza relativa aumentou por causa da desigualdade crescente. (...) Mesmo que os rendimentos aumentem para toda a gente, a taxa relativa de pobreza pode crescer." Carlos Farinha Rodrigues, numa comunicação recente, aponta o facto de no Luxemburgo um casal com dois filhos ser considerado pobre se o seu rendimento mensal for inferior a 3417 euros, enquanto na Roménia o mesmo casal é pobre se auferir menos de 222 euros. E Neil Gilbert, da Universidade de Berkeley, frisa que o risco de pobreza na Hungria, Eslováquia, República Checa e Eslovénia é mais baixo do que na Finlândia, na Alemanha, na França e no Luxemburgo, nos quais os rendimentos são muito mais elevados.
Criado após a entrada dos países de Leste na UE, o índice de privação material do Eurostat, que visa aferir o que as pessoas conseguem comprar/ter com o rendimento disponível, suscita também muitas objeções. É constituído por nove itens: conseguir fazer uma refeição de carne e peixe (ou equivalente vegetariano) de dois em dois dias, pagar sem atraso as despesas básicas, manter a casa aquecida, ter máquina de lavar roupa, TV a cores, automóvel e telefone, capacidade de fazer face a uma despesa inesperada próxima de 400 euros e de pagar uma semana de férias, com viagem e alojamento, a toda a família. A incapacidade em relação a três dos itens define privação, e em relação a quatro, privação severa, o que significa que todos pesam o mesmo, apesar da diferença substancial entre não conseguir pagar a renda da casa ou comer decentemente e não ter fundos para fazer uma semana de férias fora de casa.