4.7.13

Neste café de Gaia, a crise não saiu do rodapé do telejornal

por Pedro Rios, in RR

Num café de Gaia, a sucessão de acontecimentos políticos e a crise no Governo não se intrometeu nos almoços desta quarta-feira.

A televisão está em silêncio, como se a crise política fosse muda para quem almoça neste café de Vila Nova de Gaia. O telejornal da hora do almoço dá as últimas dos acontecimentos. As notícias precipitam-se, em cadeia: demite-se Gaspar, demite-se Portas; não se demite Passos, que não aceita a demissão de Portas.

Maria Pereira espreita os rodapés entre dentadas nos bolinhos de bacalhau, um dos pratos do dia. "Só vejo rodapés", conta. "À noite", quando chega a casa depois do trabalho (é engenheira civil), "já passou o telejornal".

Não leu a carta de demissão de Portas. Assiste a tudo com uma espécie de "afastamento" consciente, próprio de quem não quer ficar "triste" com o que se passa. Está apenas algo "desiludida", ao contrário da mãe, que "já não pode ouvir aquela gente". "Está mais em casa e sente aquilo de outra forma."

Eleições? Para quê, pergunta, se "isto não vai sair da cepa torta"?

"Por trás das cortinas"
A crise em curso, diz Maria, "é um grande circo". "Só por trás das cortinas percebemos o que se passa." E em Lisboa, a 300 quilómetros deste café suburbano, onde a crise política passa ao lado das conversas, como se decorresse num planeta distante, as cortinas continuam fechadas.

Essa incerteza é o que preocupa Raquel Silva e Nuno Almeida, dois bancários que partilham uma mesa de almoço.

A profissão manda que estejam atentos ao que se passa - há que sossegar depositantes e investidores. Mas, por estes dias, não "há muitos argumentos" para lhes apresentar. "Nem nós sabemos como é que estamos", confessa Raquel.

Este primeiro-ministro "não sabia governar", pensa Nuno. "Este governo era mau, péssimo, mas havia um acordo que estava a chegar a algum porto", aponta Raquel. As saídas de Vítor Gaspar e Paulo Portas surpreenderam-na, a decisão de Passos não. "Sair agora era uma fraqueza."

Um "funeral"
Eduardo Pinto, 65 anos, ficou surpreendido por Passos Coelho não se ter demitido. "Agarra-se o poder e agarrou o outro". O "outro" é Portas, cuja demissão fez da tomada de posse da nova ministra das Finanças uma "vergonha", uma cerimónia "meio sorumbática, como se estivessem num funeral".

Para Eduardo, o Governo só pode cair até porque "o défice não é cumprido, a dívida pública aumentou de forma astronómica" – os sacrifícios "já foram em vão". Por isso, o caminho é eleições e "já". "Em democracia é assim".

Até pode parecer, para alguns, mas "isto não é uma peça de teatro, é a realidade dos políticos", que "não estão à altura de governar o país", diz Manuela Aguiar, profissional de seguros.

Tem saudades de Mário Soares, de Álvaro Cunhal, de Francisco Sá Carneiro, "verdadeiros patriotas". "Ainda hoje me disseram que a ministra das Finanças, não sei quê Albuquerque… A EDP já contratou o marido dela."

Almoça à pressa, tem pouco tempo para seguir a "embrulhada total" em que se meteu o Governo. Aos 46 anos, trabalha numa seguradora e tenta licenciar-se em gestão de marketing. "Hoje tenho emprego, amanhã posso não ter."