José Morgado, in Público on-line
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, e como seria de prever em comunidades em permanente mudança, verificam-se alterações no universo do casamento, dos divórcios e em termos gerais da conjugalidade, indiciando transformações, algumas das quais com uma provável ligação com a situação grave que atravessamos.
É o caso da maior duração dos casamentos verificada nos últimos cinco anos, fenómeno que pode decorrer de situações de pessoas que, pondo fim à relação conjugal, continuam a partilhar a mesma casa por razões económicas ou que nem sequer assumem a separação por insegurança face ao futuro. É de registar ainda uma diminuição, nos últimos dois anos, do número de divórcios que alguns especialistas relacionam com a natureza mais informal que as relações têm vindo a assumir, implicando que quando terminam não se verifique um processo formal de divórcio.
De facto, as dinâmicas de mudança no universo das famílias, designadamente na sua constituição, organização e funcionamento, têm sido recorrentemente objecto de referências de natureza diferenciada que, do meu ponto de vista, valorizam pouco, por vezes nem referem, algo que me parece importante: os impactos destas mudanças na educação familiar que considero um dos mais complexos desafios sociais. Dito de outra forma, importa reflectir sobre o que é, o que deve ser, como deve ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.
O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente, o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.
Por questões de logística e funcionalidade ligadas aos estilos de vida e alteração de valores, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o Ministério da Educação e Ciência se lembrou de chamar, de forma infeliz, “escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar.
Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” com um eventual conflito o "pouco tempo" que têm com elas ou para elas.
Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias”. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida. Aliás, temos tragicamente na agenda destes dias dois devastadores exemplos, a jovem mãe de Braga que terá decido colocar um fim na sua vida arrastando um bebé de dois anos, situação que terá acontecido no contexto de uma separação conjugal; e o caso da indigna e obscena exposição do processo de separação entre duas figuras públicas que corre o risco fortíssimo de atropelar o bem-estar de duas crianças, filhas do casal, para além, evidentemente, do sofrimento provocado às várias pessoas envolvidas em qualquer das situações.
A situação dos casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação, criando uma situação de "casados por fora" e "descasados por dentro", poderá implicar, quando existem filhos, alguma ansiedade e inquietação nos adultos sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas.
A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais, sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções de natureza ética, religiosa e moral.
Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelem e exprimam mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos. Basta olhar à nossa volta com alguma atenção.