Por Filipe Paiva Cardoso, in iOnline
Custos da luz e dos serviços hospitalares explodiram ao mesmo tempo que se cortaram os rendimentos das famílias
Desde que a troika chegou a Portugal, o custo de ter electricidade disparou 22,6%, o preço de recorrer a serviços hospitalares subiu 19,3% e os serviços postais ficaram 25% mais caros. Já o acesso ao ensino superior tornou-se 5,1% mais caro e o arrendamento 6,5%. Tudo valores que comparam com a média de 1,7% de evolução dos preços praticados na economia portuguesa desde Maio de 2011. Cruzando estes valores com a mensagem repetida pelo governo, de que os "portugueses vivem acima das suas possibilidades", assim como com os aumentos indiscriminados de impostos e de cortes nos rendimentos, torna-se difícil perceber como não viver acima das pos- sibilidades em Portugal. Mas aqui talvez os comerciantes de outro tipo de produtos tenham a resposta.
É que, se os produtos essenciais viram o preço disparar até 25% (gráfico nas páginas anteriores) desde 2011, a grande maioria dos mais supérfluos evoluíram de forma oposta: o preço do vestuário caiu 29,3%, o do calçado 19,3%, os equipamentos domésticos viram o preço recuar 3,4% e os automóveis ficaram em média 2,4% mais baratos. Assim, e apesar de a inflação geral apontar para algum equilíbrio na evolução dos preços, no fundo tal só acontece porque as variações positivas e negativas são de tal ordem que acabam por se anular no cálculo geral. Ou seja, da mesma forma que muitos residentes em Portugal estão a cortar a direito na compra de roupa ou de alimentos, compensando e atenuando dessa forma os aumentos de impostos e os cortes em salários e pensões, também as opostas evoluções dos preços estão a anular e a disfarçar a inflação: a taxa global está a níveis relativamente baixos porque no seu cálculo há aumentos e quedas muito pronunciadas.
Estes dados sobre as evoluções dos preços das diferentes categorias de bens ou produtos em Portugal estão disponíveis numa longa série ontem disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que divulgou a evolução dos preços em Portugal de Janeiro de 1948 a Janeiro de 2014. Estabelecendo o ano de 2012 como referência - índice 100 -, o INE veio desta forma reforçar a "série anteriormente disponível", que apenas recuava até 1977 e agora é prolongada "para o período 1948 a 1976, obtendo-se uma série longa de índices com um grau de detalhe relativamente elevado", segundo explica o próprio instituto. Este aumento da base de dados do INE só foi possível graças ao "trabalho no âmbito de bolsas de investigação financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia", detalha mesmo.
Em baixa e em alta Partindo desta extensa base de dados, o INE identifica cinco grandes etapas da inflação em Portugal [ver coluna à esquerda], sendo no entanto possível identificar uma sexta, que é o período que actualmente atravessamos, marcado por evoluções muito díspares nos preços. Assim, e desde que a troika chegou a Portugal, são vários os produtos em forte deflação: casos do vestuário (29,3%), do calçado (19,3%), do mobiliário (3,7%), dos têxteis de uso doméstico (8,1%), do equipamento audiovisual (18,6%) ou dos serviços de alojamento (17,2%), que, neste aspecto, são as categorias de bens e produtos que mais viram os seus preços cair desde Maio de 2011.
Já em sentido contrário, e além do caso dos bens essenciais já referidos, há a referir os saltos dos preços das bebidas, alcoólicas ou não alcoólicas, que subiram 9,3% e 10,2% respectivamente. Evolução mais agressiva foi registada no tabaco, cujos preços desde Maio de 2011 subiram 10,6% em Portugal - o tabaco é, aliás, o produto com o preço mais castigado desde 1948 entre todos os considerados pelo INE (ver coluna ao lado).
Aproveitando o tabaco para voltar ao tema da saúde, saliente-se que além de os residentes em Portugal estarem agora a pagar mais 19,3% pelo recurso a serviços hospitalares, também os serviços para doentes ambulatórios se tornaram mais caros: desde que a troika aterrou em Portugal a convite de PS, PSD e CDS, este tipo de serviços viu o seu preço crescer 5,2%. A referir por fim que os serviços de "abastecimento de água e relacionados" estão 5,8% mais caros.