Por Margarida Bon de Sousa, in iOnline
Presidente do BPI diz que métodos utilizados não são aceitáveis no privado. Universidades e empresas ainda têm muito trabalho a fazer para trabalharem em conjunto
Os centros de emprego funcionam mal e seria impensável qualquer empresa privada prestar um serviço idêntico, disse ontem Fernando Ulrich, presidente do BPI, durante a conferência "Youth & Jobs", organizada pela Universidade Europeia, a propósito da contratação, pela instituição financeira a que preside de cerca de 200 estudantes ao abrigo dos estágios profissionais. O gestor realçou a falta de coordenação entre os serviços e os atrasos nas respostas da rede de emprego pública, embora salientando que não queria eleger o tema como centro da sua intervenção.
Ulrich e Ana Paula Moutela, directora-geral da Indetex, e outra das oradoras da conferência, asseguraram que olham mais para as actividades extracurriculares das pessoas que querem contratar que para a formação universitária. "A nota só me diz que sabem arrumar ideias, sabem racionar e têm capacidade para trabalhar", disse o presidente do BPI, enquanto Moutela confessou interessar-se mais por um currículo em que "a pessoa desapareceu três anos do que por aqueles em que está tudo certinho".
Do lado das empresas, é cada vez mais evidente que os skills extracurriculares ganham um peso crescente no recrutamento. Actividades como o voluntariado ou o desporto começam a ser valorizadas em detrimento de notas muito altas que não certificam se os futuros colaboradores sabem trabalhar em equipa ou responder a situações imprevisíveis.
O excesso de licenciados, o estigma e a desvalorização social da formação técnico-profissional, o papel das universidades no ensino que ministram e na forma como se relacionam com as empresas foram outros dos temas abordados durante a conferência, onde ficaram muitas dúvidas sobre como encaixar estas peças num Portugal que se quer cada vez mais competitivo e a crescer mais.
Para Maria da Glória Garcia, reitora da Universidade Católica, há quatro ideias a desenvolver a médio e longo prazo no ensino universitário. Formar para a confiança humanista, direccionada para o estudante e com o fim de o ajudar a de-senvolver as suas potencialidades, criar curiosidade pelo saber, estreitar o relacionamento entre o mundo universitário e o mundo empresarial e enriquecer a formação de base 360 graus, reforçando a filosofia e a ética no ensino superior.
Já para Tawfiq Rkibi, reitor da Universidade Europeia, as universidades não preparam os alunos para o mercado de trabalho, o que não é específico de Portugal mas de todos os países do mundo e da UE em particular, "por razões que têm a ver com a resistência do meio académico à mudança. Os ciclos de estudo não são preparados de acordo com as necessidades do mercado, mas de acordo com os recursos e o corpo docente disponíveis", disse, acrescentando que a falta de transparência da oferta formativa e o facto de os próprios diplomas não revelarem as competências que estão por trás da formação também prejudicam a empregabilidade.
Manuel Assunção, reitor da Universidade de Aveiro, defendeu o oposto, ao afirmar que as universidades portuguesas formam para o mundo real e que os os diplomados que tiraram os seus cursos em Portugal são, em geral, reconhecidos no mundo inteiro. "Temos de de- senvolver capacidades para um mundo de trabalho que é cada vez mais global e a prova disso é o número de portugueses que têm ido trabalhar para fora", disse, realçando igualmente que hoje as competências mais gerais e transversais são cada vez mais importantes. Assunção considerou igualmente que é preciso criar mais apetite pelo empreendedorismo em Portugal, referindo que a Universidade de Aveiro já tem 11 unidades curriculares sobre esta temática e uma incubadora de empresas a crescer mais de 200% ao ano.
Do director do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, José Luís Cardoso, veio o alerta para o perigo da forma como a empregabilidade está a invadir a gestão universitária, minimizando a finalidade do ensino superior na perspectiva de captação de alunos. "A empregabilidade é importante para captar novos alunos", disse. "Mas é preciso introduzir instrumentos de medida que não sejam discutíveis nem uma arma de arremesso."
O ex-ministro Marçal Grilo, que se encontrava na assistência, reforçou esta posição, ao defender que as universidades devem fazer investigação de excelência, independentemente dos resultados e da empregabilidade.
As empresas A Portucel, representada pelo CEO, Diogo da Silveira, reconheceu que a empresa se debate com problemas de recrutamento por não haver formação técnico-profissional para o sector das florestas. "Os que podem ter aptidão não sentem o apoio de que necessitam para fazer esta escolha. O contexto familiar e os amigos não favorecem que optem por essa via. Os próprios institutos e universidades também não oferecem este tipo de formação porque tentam nivelar por cima. E a formação base de dois anos é fundamental para o país."
A Editex recruta habitualmente ainda na fase de formação. "A maioria dos jovens que admitimos fizeram a sua formação profissional enquanto estudam. É raro termos de fazer um recrutamento externo."
Também Fernando Ulrich reconheceu que o BPI não tem tido dificuldades em recrutar, excepto nas tecnologias de informação, "porque os estudantes não consideram um banco um local sofisticado nessa área". A instituição financeira resolveu o problema através da ITGrow, uma empresa criada em parceria com a Critical Software, para desenvolver esta área. Ulrich defendeu também que mais que os jovens o preocupam as pessoas acima dos 45 anos que saem do mercado de trabalho e para as quais devia haver maior acompanhamento, de forma a de-senvolverem novos conhecimentos que lhes permitam voltar a empregar-se.
António Vaz, CEO da Vodafone, reconheceu que é nos sectores tecnológicos que existe maior ligação das universidades às empresas através da criação de ecossistemas que beneficiam ambos os lados. "Não podemos olhar só para os alunos mas também para os professores, para discutirmos e debatermos como vai ser o futuro desta indústria", defendeu, adiantando que a empresa abriu um centro na área das tecnologias de informação na Universidade Técnica do Porto, onde já recrutou 50 pessoas, querendo em breve chegar às 100, especificadamente orientadas para o sector exportador. Mas reconhece que ainda falta cruzamento de saberes na formação académica.