Ana Brito, in Público on-line
Não há dados oficiais sobre o número de portugueses sem dinheiro para aquecer as casas no Inverno ou refrescá-las no Verão, mas já há um índice que permite identificar as freguesias mais vulneráveis a estas situações.
Os números divulgados há poucos dias pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (Insa) deixaram exposta, mais uma vez, a fragilidade de uma fatia da população portuguesa, aquela que não tem condições para se proteger devidamente dos efeitos das temperaturas extremas e para quem o Inverno pode ter consequências trágicas.
Estima-se que, em 2018, a gripe e as baixas temperaturas tenham causado cerca de 3700 mortes, das quais 397 atribuíveis ao frio. “A relação entre o frio, e em particular o frio extremo, que se mantém por vários dias, e a saúde cardiovascular e respiratória está bem estabelecido”, e as temperaturas baixas e os períodos de humidade alta no Inverno “são factores que aumentam a probabilidade que temos de vir a agravar doenças pré-existentes”, disse ao PÚBLICO o coordenador do Departamento de Epidemiologia do INSA, Carlos Dias.
“Se fora dos edifícios não existe capacidade de o ser humano controlar o ambiente e os níveis térmicos, dentro dos edifícios isso é feito à custa de equipamentos, de habitações bem isoladas e do consumo de energia. Logo, as pessoas que pertencem a grupos socio-económicos mais frágeis, claramente estão em situação de maior risco para a sua saúde”, afirmou o especialista.
O desconforto térmico, no Verão ou no Inverno, pode ser fatal para quem já tem problemas de saúde e é mais vulnerável às temperaturas extremas, como a população idosa, mas é uma realidade com que boa parte da população portuguesa convive, literalmente.
De uma forma genérica, considera-se que quem não tem condições financeiras para aquecer a casa no Inverno, mantê-la fresca no Verão, ou adequadamente iluminada, está em situação de pobreza energética.
Segundo Bruxelas, há mais de 50 milhões de pessoas na União Europeia (UE) que vivem com este tipo de privação, a que estão mais expostas as famílias monoparentais, aquelas com várias crianças e os idosos isolados.
Em Portugal, o fenómeno existe, está provado, tem consequências graves, mas é de difícil quantificação. “Não existem dados oficiais nacionais sobre o número de pessoas ou agregados familiares em situação de pobreza energética”, disse ao PÚBLICO o Ministério do Ambiente e da Transição Energética (que na nova orgânica passará a chamar-se do Ambiente e Acção Climática).
“Faz parte dos objectivos do Governo” realizar “uma análise a nível nacional que identifique o número de pessoas” e famílias nesta situação, acrescentou.
Além de não haver dados quantitativos, não há sequer em Portugal (como na maioria dos Estados europeus) uma definição oficial para a pobreza energética, pelo que se “recorre à definição usada pela Comissão Europeia”, explicou o MATE.
Stress e mal-estar
No Observatório Europeu para a Pobreza Energética, a Comissão define-a como uma “forma distinta de pobreza, associada a um conjunto de consequências adversas para o bem-estar e saúde das pessoas”, que pode agravar quadros de doença respiratória, cardíaca e mental. Não são só as temperaturas que produzem o mal-estar, é também “o stress associado a facturas energéticas incomportáveis”.
Diz a Comissão que resolver o problema tem “o potencial de trazer benefícios múltiplos”, incluindo menos gastos públicos com a saúde, menor poluição ambiental, mais conforto e bem-estar, mais rendimento disponível das famílias e crescimento económico.
Os Estados-membros estão obrigados a monitorizar a situação de pobreza energética e a introduzir medidas específicas para combatê-la nos seus planos de Energia e Clima para a próxima década.
Até agora, Portugal tem abordado a questão através da tarifa social da electricidade e do gás natural, que introduz descontos automáticos às facturas dos clientes economicamente vulneráveis – com baixos rendimentos e beneficiários de prestações sociais, como o subsídio social de desemprego ou a pensão social de velhice.
Sobre as prioridades do Governo no combate à pobreza energética, o MATE destacou o aperfeiçoamento dos “instrumentos de protecção a clientes vulneráveis” através de uma “estratégia de longo prazo” e o objectivo de “melhorar a literacia energética” da população.
Segundo o relatório “Addressing Energy Poverty in the European Union: State of Play and Action”, publicado, em Agosto do ano passado, pelo Observatório Europeu da Pobreza Energética, as tarifas sociais existem um pouco por toda a Europa e vários países têm medidas adicionais de protecção aos clientes vulneráveis que proíbem o corte de energia por falta de pagamento das contas durante o Inverno.
O relatório refere ainda que existem, mas são mais raras, as medidas direccionadas para esta população vulnerável cuja abordagem seja a do reforço de eficiência das habitações. Porém, destaca que as medidas direccionadas “são uma ferramenta muito poderosa para combater a pobreza numa perspectiva de longo-prazo”.
Em causa estão medidas de apoio à intervenção nas habitações, à substituição de aparelhos que consomem muita energia (como os frigoríficos) ou à instalação de painéis fotovoltaicos para produção de electricidade para autoconsumo (o que reduz o peso da factura energética nos orçamentos familiares).