José Mário Silva, in Expresso
José Carlos Barros venceu o Prémio LeYa 2021 com um olhar sobre o século XX português, de um massacre quase esquecido à lógica implacável do Estado Novo e seus ecos no pós-25 de Abril
Nem sempre acontece, mas por vezes os romances oferecem-nos algures, numa formulação cristalina, a sua própria chave. É o caso de “As Pessoas Invisíveis”, terceiro romance de José Carlos Barros, com o qual o escritor transmontano, que vive e trabalha há anos no Algarve, venceu a mais recente edição do Prémio LeYa. Afirma, a dada altura, o narrador: “Não se compreende como é que o tempo mexe os cordelinhos. Umas vezes desenrola-os a direito a puxá-los de um novelo, outras vezes em elipse.” E é precisamente assim, em elipse, saltando entre momentos do século XX português, nalguns casos com intervalos de décadas, que a narrativa avança, conciliando uma visão abrangente do que foi o Portugal do Estado Novo, desde a década de 30 até aos alvores do regime democrático, e as vidas de pessoas concretas, muitas vezes condenadas pelas circunstâncias a uma radical invisibilidade.
A ação do livro começa no início dos anos 40, no momento em que a “febre do volfrâmio” se abate sobre pequenas aldeias de Trás-os-Montes, sem que a súbita prosperidade altere no essencial os atavismos sociais, os hábitos conservadores e a crendice popular. É neste contexto que Xavier Sarmiento, filho de um galego que dava guarida a republicanos em fuga da repressão de Franco, logo após a Guerra Civil Espanhola, começa a ganhar fama de curandeiro. Ele conhece as plantas medicinais e os seus efeitos, desde sempre foi dado a complexas mezinhas, mas é ao descobrir “a relação entre um corpo doente e os mecanismos da cura” que se sente tocado pelo “dom” de curar