17.5.22

Buscas judiciais em gabinete de apoio a refugiados em Setúbal

Ana Dias Cordeiro, in Público

A informação chegou através de um comunicado da Câmara Municipal de Setúbal.

As instalações da Linha Municipal de Apoio a Refugiados (LIMAR) da Câmara Municipal de Setúbal estão a ser alvo de buscas da Polícia Judiciária, na manhã desta terça-feira, segundo uma nota publicada no site da autarquia. A Câmara diz estar a prestar “todo o apoio necessário a estas diligências”.

O PÚBLICO já tentou confirmar a informação junto do gabinete de imprensa da Polícia Judiciária (PJ) e também tentou saber, junto da Procuradoria-Geral da República, quando foi aberto o inquérito que permite estas buscas.

A notícia da realização destas buscas na LIMAR, que está localizada no Mercado do Livramento em Setúbal, vem no seguimento das suspeitas levantadas sobre alegadas ligações ao Kremlin do casal que geria o gabinete de apoio aos refugiados da autarquia: Igor Khashin e Yulia Khashina.

Khashin apresenta-se como “gestor de projectos” e foi presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, tem dupla nacionalidade e foi sempre próximo da Embaixada da Rússia; além disso, os eventos organizados por si e pelas suas associações contavam de sites de instituições criadas pelo Kremlin, mas foram entretanto apagadas, segundo fonte anónima ouvida pelo Expresso na notícia publicada a 29 de Abril.

Funcionária retirada

O jornal deu então conta das primeiras suspeitas relativamente a este casal e ao trabalho desenvolvido através da Associação dos Imigrantes dos Países de Leste (Edinstvo). Logo nesse dia, a Câmara de Setúbal retirou do acolhimento de cidadãos ucranianos a técnica superior de origem russa Yulia Khashin, dizendo que tal decisão se prendia “com a situação criada” com a notícia “até ao total e inequívoco esclarecimento desta situação”, como se lia no comunicado.

No dia seguinte, a autarquia dizia não ter tido nenhuma suspeita relativamente a esta cidadã russa que entrada para os quadros da câmara em Dezembro de 2021 depois de aí trabalhar durante mais de 17 anos.

"Relativamente à senhora Yulia Kashina, referida nas várias notícias entretanto divulgadas, cumpre esclarecer que lhe foi atribuída, pelos órgãos de soberania nacionais, nacionalidade portuguesa em 2007, ou seja, há 15 anos, tendo, por isso, dupla nacionalidade, e, desta forma, todos os direitos e deveres de qualquer cidadão português. Yulia Kashina trabalha com esta Câmara Municipal há mais de 17 anos, tendo entrado para os seus quadros como técnica superior jurista, em 1 de Dezembro de 2021”, referia a nota publicada no site da autarquia.

A Edinstvo foi fundada em 2005 por Igor Khashin. Já antes da guerra na Ucrânia, a associação trabalhava no acolhimento a imigrantes na autarquia. Mas foi com a chegada de ucranianos que fugiam da guerra iniciada em 24 de Fevereiro, que surgiram as primeiras dúvidas.

Receios de pessoas acolhidas

Entre as cerca de 160 pessoas acolhidas em Setúbal, houve quem tivesse relatado ao Expresso que, no atendimento, teriam sido digitalizados documentos dos refugiados e, de acordo com alguns deles, feitas perguntas sobre os familiares que deixaram na Ucrânia.

No início de Abril, numa entrevista à CNN, a embaixadora da Ucrânia, Inna Ohnivets, alertou para o facto de informações recolhidas junto dos ucranianos serem “interessantes para a espionagem russa”. A diplomata sustentava essa afirmação pelo facto de as associações pró-russas que acolhem refugiados dos países de Leste terem “uma ligação muito estreita à embaixada russa”.

Nas entrevistas à chegada, as associações teriam assim forma de “receber informações sobre os dados pessoais destes refugiados e também sobre os familiares que participam no Exército ucraniano”, sustentou a embaixadora que terá também alertado as autoridades portuguesas para esse risco.

Também o presidente da Associação dos Ucranianos de Portugal, Pavlo Sadokha, tem desde então acusado associações concretas (para além da Edinstvo) de uma alegada cumplicidade com o poder em Moscovo.