9.5.22

"Não são necessários mais milhões no OE da Saúde. O que é preciso é saber gerir adequadamente"

Ana Mafalda Inácio, in Diário de Notícias

A ministra da Saúde, Marta Temido, vai estar nesta terça-feira a defender o OE 2022 na especialidade, na Comissão Parlamentar, para a área. Este é o ano em que o setor recebe a maior verba de sempre. São 13 578 milhões de euros para fazer face às fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS). UM SNS cada vez mais depauperado em recursos humanos, o que é bem visível no facto de haver 1,3 milhões de utentes sem médico de família atribuído e na dificuldade de respostas a tempo e horas às necessidades dos mesmos, e na motivação dos profissionais. Mas será este orçamento suficiente? O que faz falta à Saúde em Portugal? É só mais dinheiro? O DN desafiou o especialista em economia da Saúde e professor da Nova School of Business and Economics, Pedro Pita Barros, para responder a estas e outras questões.

O OE 2022 para a área da Saúde foi reforçado em 700 milhões de euros em relação ao ano anterior. É o maior orçamento para o setor com um total de 13 578 milhões de euros para a despesa. Estes 700 milhões poderão fazer a diferença no "robustecimento" do SNS, como pretende o Governo?

Como o SNS na última década tem apresentado sempre criação de dívidas e de pagamentos em atraso, o maior orçamento inicial permite pensar que talvez se consiga evitar essa derrapagem permanente. Não será para fazer muito mais, mas será para fazer melhor.

E de que forma se poderá fazer melhor?

O "robustecimento" do SNS não é apenas financeiro. Reforçar a gestão que é feita é igualmente importante, até porque se funcionar melhor acaba por precisar de menos euros. Posso dar duas ideias rápidas para explicar, e que até nem são particularmente novas: primeiro, dar novo ímpeto aos cuidados de saúde primários - que devem ter as pessoas e os equipamentos necessários para resolver a maior parte das situações de doença pouco grave. Isto implica não só dar novo ímpeto às USF modelo B (as que têm levado a maior satisfação quer dos cidadãos quer dos vários profissionais de saúde), como colocar novos equipamentos (que está previsto acontecer) e também ousar criar novos modelos de organização que permitam reduzir rapidamente o problema de uma parte substancial da população não ser seguida regularmente por um médico de família (ou por uma equipa de família). A segunda ideia é reforçar a autonomia de gestão dos hospitais, de forma seletiva - permitir maior autonomia aos que mostram capacidade de a usar bem, e não a todos, com regras claras de intervenção e alteração da gestão nos hospitais que ficam aquém do que é legítimo esperar deles. É preciso não esquecer que uma gestão menos boa acaba por se refletir na capacidade de dar resposta às necessidades dos cidadãos.

Mas este orçamento permitirá cortar o ciclo de dívida em que o SNS tem vivido nos últimos anos?

Em termos de valor, deverá permitir isso, mas é preciso explicar que estes primeiros três meses do ano, ainda sem orçamento de 2022, ainda não mostraram qualquer alteração. O valor dos pagamentos em atraso no final de 2021 foi o mais baixo desde que há esta informação publicamente disponível, cerca de 110 milhões de euros, e resultou de um reforço financeiro importante nessa altura. Entretanto, aumentou para 309 milhões de euros em três meses (março de 2022), ou seja, estes pagamentos em atraso cresceram 66 milhões de euros por mês em média, de janeiro a março de 2022.