Sofia Lorena, in Público on-line
Iluminação pode significar poder estudar ou evitar uma violação. Segunda-feira começou uma campanha de angariação de fundos nas lojas IKEA de todo o mundo.
Todos os campos de refugiados nascem como soluções temporárias de acolhimento. Todo o refugiado pensa sempre que vai demorar pouco tempo até poder voltar a casa. Não é assim. Em média, um refugiado passa 12 a 13 anos num campo, e muitos campos têm o tamanho de cidades pequenas. Alguns, como Daabab, no Quénia, ou Zaatari, na Jordânia, são cidades de mais de 400 mil e 150 mil habitantes.
O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) nunca teve de se ocupar de tanta gente como hoje. São 36,5 milhões de pessoas – entre refugiados e deslocados dentro dos seus países – a cargo. Se não pode resolver os problemas que levaram as pessoas a fugir das suas casas, resta à agência da ONU tentar melhorar a vida nos campos. Uma tarefa que cumpre cada vez mais através de parcerias com grandes empresas.
Quando o PÚBLICO visitou Zaatari, em Setembro, o maior elogio que os sírios que ali vivem faziam ao novo coordenador do campo era o facto de ter electrificado as ruas. “Num campo, luz não é apenas luz, é poder estudar, é poder ir à casa de banho sem medo. Acesso a energia doméstica pode salvar vidas”, diz Laura Iucci, directora da área corporativa e angariação de fundos para o ACNUR. “Sem isso sobra apanhar lenha, o que acaba sempre por ser uma tarefa das mulheres e crianças. Nalguns campos em África, isso significa andar quilómetros e correr o risco de ataques, de violações.”
Iucci esteve em Lisboa para apresentar a campanha do ACNUR e do IKEA Uma Vida Melhor para os Refugiados. Trouxe com ela uma lanterna solar portátil, como as que o ACNUR distribui nalguns campos. “Poder iluminar uma tenda permite dar alguma normalidade à vida”, insiste, à conversa com o PÚBLICO.
Trabalhar com fontes de energia renováveis é muito importante por permitir atenuar o impacto dos campos nos países que fazem a grande fatia deste esforço. “Só 8% dos refugiados estão em países desenvolvidos”, recorda a responsável do ACNUR. A maioria fica em países da sua região de origem, países em desenvolvimento que “acabam por ser muito mais generosos”, abrem as suas portas e fazem um grande esforço para acolher estas pessoas.
A campanha que foi apresentada na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, e que a partir desta segunda-feira será visível para todos os que entrarem numa loja IKEA, tem como objectivo angariar fundos: por cada lâmpada LED que for comprada, a Fundação IKEA vai doar 1 euro ao ACNUR, o que servirá para melhorar as fontes de iluminação mas também o acesso a educação em cinco dos países que mais refugiados recebem actualmente, Jordânia, Sudão, Bangladesh, Chade e Etiópia.
“É a maior campanha que o ACNUR já teve com o sector empresarial”, diz Iucci. Claro que o dinheiro é importante, mas tão ou mais importante é “o acesso às pessoas, aos funcionários e aos clientes, é uma oportunidade para explicar a milhões de pessoas quem são os refugiados e do que é que eles precisam".
Soluções inovadoras
A relação entre o ACNUR e a Fundação IKEA é bem mais profunda. “É uma parceria chave. Com eles chegamos a soluções inovadoras que nos permitem realmente mudar a vida das pessoas”, afirma Iucci. “Nós ajudámos a desenvolver a unidade de inovação do ACNUR”, explica Jonathan Spampinato, director de relações institucionais da fundação. “Quando eles precisam de ajuda, chamam-nos e nós vemos quem é que trabalha connosco que pode ajudar a resolver um problema específico. É o que estamos habituados a fazer”, diz.
Há uma nova solução de abrigo que começou a ser desenvolvida desde 2010, por exemplo, e que está agora em fase de testes. Uma casa que os refugiados podem construir e que poderá em breve substituir as tendas e as caravanas em vários campos.
Para o IKEA, empresa e fundação (um dos maiores doadores empresariais do mundo), esta é uma parceria que faz todo o sentido. “A ideia do fundador da empresa era permitir a muitas pessoas o acesso a melhores soluções para as suas casas. Nós queremos ajudar muitas pessoas de cada vez. E com o ACNUR chegamos a milhões de crianças”, diz Jonathan Spampinato.
Soloman Tesfer Berhane já viveu num campo de refugiados, no campo de Choucha, na Tunísia, onde estiveram milhares de pessoas em fuga da guerra na Líbia, em 2011. Berhane, um engenheiro eritreu com experiência em empresas petrolíferas, passou oito meses ali, até vir para Portugal, há dois anos. “Primeiro, não havia luz, não havia nada, era terrível. Lembro-me de quando distribuíram as lanternas, eram mesmo assim, aquelas, fomos os primeiros a usá-las”, diz.
As lanternas melhoram o dia-a-dia, conta, mas o maior problema do campo no deserto era bem mais difícil de resolver. “Os seres humanos são diferentes, alguns são pacientes, outros não conseguem”, diz Berhane. “Têm sonhos e a realidade é outra. Para alguns, isso é muito difícil.”