Vasco Samouco, Jornal de Notícias
Francis Ngannou deixou os Camarões para fugir à pobreza, viveu na rua e agora vai lutar pelo título mundial de artes marciais.
Francis Ngannou podia perfeitamente ser só mais um entre as largas centenas de refugiados que, a um ritmo desolador, se despedem da vida entre os gritos desesperados de quem prefere a morte a uma existência destinada à miséria, material e moral. Mas teve sorte. O seu plano de fuga dos Camarões não ficou, para sempre, esquecido nas profundezas marítimas: cinco anos depois, está no topo do Mundo e vive desafogadamente.
Se pensarmos que Francis Ngannou só começou a praticar MMA (Artes Marciais Mistas) em 2013 e que hoje é achado como o favorito a conquistar o título mundial da modalidade, dissipam-se as dúvidas de que estamos perante um prodígio para a luta. O que não pode espantar muito, tendo em conta que este franco-camaronês, de 31 anos, dedicou praticamente toda a vida a isso. Primeiro contra a indigência absoluta, depois para erguer a carreira que já está nos píncaros à custa de feitos, uns atrás dos outros, nos ringues.
Logo que nasceu, em Batié, Francis tinha prometida uma existência remetida à pobreza. Afinal, tinha vindo ao Mundo num país onde o cidadão médio (sobre)vive com mil euros por ano e onde a educação até aos 12 anos era privilégio da elite. Começou a trabalhar quando devia estar a completar o ensino primário, fez tudo e mais alguma coisa, resistiu aos apelos do crime e aos 22 anos iniciou-se no boxe, o sonho que o movia.
E foi na procura dessa luz ao fundo do túnel que Ngannou gastou os últimos cartuchos contra o destino. Fez-se ao mar, amansou-lhe a fúria, tornou-se refugiado na Europa, até que chegou a Paris. Com ele, só a roupa que o agasalhava e uns trocos quase insignificantes. O céu foi, demasiadas vezes, o teto que o abrigava e só quando encontrou um ginásio para se revoltar com a vida e alimentar o sonho é que passou a ter algo a que chamar casa. Mas a bondade de Fernand Lopez também lhe disse que, se queria ganhar dinheiro, Francis devia apostar em MMA em vez do boxe...
O resto está resumido nas estatísticas. Em 12 combates, ganhou 11, sete por KO, o último deles no primeiro assalto. É dele também o murro mais poderoso do circuito UFC e tudo aponta para que se torne campeão mundial em 2018. Há lutas que valem a pena