autoria Ana Marques Maia, in Público on-line
Sentem "discriminação, desdém, indiferença, repulsa e ingratidão". São emigrantes portugueses no Luxemburgo e representam, em conjunto com as suas famílias, cerca de 16,4% da população do país, segundo dados do Observatório da Emigração. O fotógrafo bracarense Luís Vilaça passou uma semana em Vianden, em Abril de 2017, onde pôde testemunhar e compreender os desafios de quem vive no local na condição de imigrante. O título do projecto, Scheiß Portugiesen, que o Google traduz como "maldito português", foi escolhido por consistir numa expressão que continua a ouvir-se com frequência no país. “Pude presenciar este facto enquanto lá estava”, garantiu o fotógrafo ao P3, em entrevista. “Aconteceu ver-me envolvido numa rixa entre duas comunidades e ouvir scheiß portugiesen.”
Nas décadas de 60 e 70 do século XX, mais de um milhão de portugueses rumaram ao centro da Europa para escapar à pobreza, à ditadura e à guerra colonial. Ao Luxemburgo chegaram, então, mais de 100 mil; foram encaminhados, sobretudo, para as áreas da construção civil, da hotelaria e do comércio. “Se é verdade que saíram de Portugal sem os conhecimentos necessários para poderem ser bem-sucedidos, também é verdade que o Luxemburgo não lhes facilitou a vida”, refere o fotógrafo, apontando problemas no acesso à nacionalidade luxemburguesa, discriminação de luso-descendentes em contexto escolar e imposições linguísticas no local de trabalho. “Nós estamos adaptados aqui, mas ainda é muito difícil conseguir estar bem”, disse um dos retratados ao fotógrafo. “No trabalho, por exemplo, não nos deixam falar português, obrigam-nos a falar outra língua. Não gostam. Principalmente os mais velhos.”
A questão da obtenção da nacionalidade luxemburguesa é outro obstáculo referido pelo fotógrafo. Isto porque as provas para aquisição de nacionalidade exigem o domínio do luxemburguês, que é apenas um dos três idiomas oficiais do país. “Nas escolas, o ensino é feito em alemão, em contexto laboral usa-se maioritariamente o francês. (…) Estamos perante um cenário em que o domínio da língua menos falada do país é a exigida para obtenção da nacionalidade”, conclui Vilaça. A obtenção da dupla nacionalidade é relevante por dar acesso a melhores empregos — uma carência entre os membros da comunidade portuguesa que se mantêm, não raramente, “reféns de trabalhos de exploração”.
A discriminação laboral, segundo o autor, tem uma raiz muito mais profunda: penetra o tecido escolar luxemburguês. “Os alunos de outras nacionalidades vêem-se, por vezes, prejudicados ao serem encaminhados para escalões de ensino inferiores e que darão, no futuro, acesso a empregos menos qualificados.”
Não foi a primeira vez que Luís Vilaça visitou o Luxemburgo. Em 2016 começou a aperceber-se da complexidade da vivência da comunidade portuguesa no local. “Em consequência das dificuldades que enfrentam, os portugueses criaram uma subcultura, um círculo onde se sentem acolhidos, onde se esforçam por que a realidade vá de encontro ao que sonharam. Esta é uma comunidade que existe dentro de outra muito maior, mas que vive, paradoxalmente, fora da dela. Os portugueses vêem-se a si próprios como órfãos: vivem sozinhos e distantes de tudo o que os completa.”
O trabalho de Luís Vilaça, assim como o de outros alunos finalistas do curso profissional do Instituto Português de Fotografia — como é o caso do de Adriana Boiça Silva, sobre escoliose idiopática —, esteve recentemente em exposição na Galeria Geraldes da Silva, no Porto.