27.10.22

“Impacto da pandemia foi muito forte” e agravou pobreza em Portugal

Joana Russo Belo, in Correio de Minho

Elizabeth Santos, socióloga da EAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza, foi a convidada do Programa ‘Da Europa para o Minho’, da Rádio Antena Minho. Relatório de 2021 dá conta de um aumento de 12 por cento da população em risco de pobreza ou exclusão.

Dois milhões e 300 mil pessoas vivem em Portugal em risco de pobreza ou exclusão social. Números preocupantes relativos a 2021 - que representam um aumento de 12 por cento face ao ano anterior, o que corresponde a mais 256 mil pessoas - e revelados pela socióloga Elizabeth Santos, da EAPN – European Anti Poverty Network (Rede Europeia Anti-Pobreza) no Programa ‘Da Europa para o Minho’, da Rádio Antena Minho, conduzido por Paulo Monteiro e o eurodeputado José Manuel Fernandes.

Num programa em que foi analisado o recente relatório preliminar de 2022 do Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza, Elizabeth Santos revelou que Portugal tem 22,4 por cento da população em risco de pobreza ou exclusão social e passou a ser o oitavo país da UE27 com maior proporção da população a viver este tipo de vulnerabilidade social e económica.

“Este inquérito de condições de vida e rendimento é um inquérito publicado pelo INE, mas é, simultaneamente, europeu e baseia-se em quatro indicadores, o mais antigo de todos, a pobreza monetária. Em 2020, o limiar de pobreza era de 554 euros em Portugal e esse é o indicador mais antigo. Desde 2003, foram aplicados mais outros indicadores: por um lado olhar para a pobreza do ponto de vista da inserção no mercado de trabalho, não só como fonte de rendimento, mas de integração social, e depois outro indicador de privação material severa”, começou por explicar a socióloga, dando conta de que está em pobreza ou exclusão social “quem está numa dessas situações, sendo que algumas pessoas podem estar nas três”.

“No último inquérito, 81 mil pessoas estavam nas três dimensões de pobreza e exclusão social. Em 2021, estava em pobreza 22 por cento da nossa população, o que equivale a cerca de 2 milhões e 300 mil pessoas e foi um aumento, claramente, elevadas face aos outros países da União Europeia. Comparando os dados de 2020 e 2021, houve um aumento de 12 por cento na pobreza e exclusão social em Portugal, só a Eslováquia teve um aumento superior a esse, todos os outros países estão inferiores e, por exemplo, o Luxemburgo, que foi o terceiro país com maior aumento, teve um aumento de seis por cento. Isso demonstra um impacto, claramente, muito forte da pandemia em Portugal”, sublinhou.

Reforçando esse “impacto da pandemia muito elevado no geral”, Elizabeth Santos diz ter sido “transversal” abrangendo “todos os grupos sociais”, mas alguns grupos estão destacados. “No nosso relatório, destacamos em primeiro lugar os idosos, não porque tenham tido um maior aumento - o maior aumento foi dos 18 aos 64 anos - mas o caso dos idosos é particularmente importante no nosso ponto de vista. Até 2008, eram o grupo onde era a pobreza era mais elevada, depois houve uma diminuição na vulnerabilidade deste grupo e passou a ser as crianças o grupo mais vulnerável. Os últimos dados indicam que a pobreza na infância não diminuiu, aliás aumentou em todos os grupos etários, mas os idosos voltam a ser o grupo mais vulnerável. Tiveram forte impacto não só na pobreza monetária, mas na privação material e social severa e houve uma distância na vulnerabilidade. Sabemos o impacto que teve a pandemia neste grupo, como o isolamento social, para além dos constrangimentos financeiros, a pandemia trouxe esse isolamento social dos mais idosos e achamos ser importante chamar atenção para este grupos”, frisou a responsável, destacando ainda neste lote de mais vulneráveis os estrangeiros, em que os números aumentaram 85 por cento.

Segundo a socióloga, outro aumento importante foi “a pobreza dos trabalhadores”: “Portugal tem níveis de pobreza entre os trabalhadores muito elevados e com a pandemia aumentou ainda mais, passámos a ser o 7.º país com maior pobreza entre os trabalhadores. Houve uma redução importante do rendimento, tivemos trabalhadores que passaram a ter rendimentos muito baixos, associado a isso temos a precariedade laboral, quem passou para o desemprego, quem teve de suspender o trabalho e a questão dos baixos salários”.

“Com baixos salários qualquer redução do rendimento leva a que possam estar em maior risco de pobreza e exclusão social e a pandemia veio trazer essa redução de trabalho, seja pelo lay-off, implicou um corte no rendimento, mesmo respeitando um teto mínimo houve redução, porque não foram consideradas outras partes do rendimento, como horas extras, fins-de-semana, turnos, o que era uma parte do rendimento importante para se estar acima do limiar da pobreza”, explicou, lembrando que a pandemia “levou a que várias pessoas deixassem de ter qualquer rendimento”.

“Baixos salários são uma das principais causas da pobreza”

“Os baixos salários são uma das principais causas da pobreza em Portugal”. A opinião foi deixada pela socióloga Elizabeth Santos no Programa ‘Da Europa para o Minho’, reforçando a ideia de que “as causas da pobreza são estruturais e uma está associada ao mercado de trabalho e aos salários”.
“Se formos caracterizar a população que está em situação de pobreza, o que os dados do último inquérito nos dizem é que, olhando à população dos 18 aos 64, quase 48 por cento está inserida no mercado de trabalho e, se olharmos para a população em pobreza que está inserida no mercado de trabalho, 90 por cento trabalha a tempo inteiro, por isso, os rendimentos do trabalho são importantes para prevenir situação de pobreza. Os agregados mais vulneráveis à pobreza são os monoparentais, que só têm um adulto inserido no mercado de trabalho, assim como as famílias numerosas com três ou mais crianças e depois os idosos que vivem sozinhos e aí temos as questões das pensões sociais”, explicou.

Para a socióloga, “o mercado de trabalho é estrutural e intervirmos a esse nível é fundamental para combatermos a pobreza a médio e longo prazo”.
Questionada por Paulo Monteiro quanto ao futuro, Elizabeth Santos lembrou que olhar para os dados estatísticos “significa olhar com cuidado”, já que os dados deste ano vão ser divulgados em Novembro pelo INE e “não sabemos se vão retratar esta situação”.
“A realidade será difícil, nos números de 2021 temos alguns dados de alerta, aliás um Eurobarómetro de Abril e Maio já era um sinal de alerta e dizia que 74 por cento da nossa população não estava preparada para um aumento dos preços e 57 por cento já dizia estar a sentir uma redução do nível de vida pelo aumento dos custos”, revelou.

E prosseguiu. “Se olharmos para 2021, temos sinais de alerta não só pelo número de pessoas em pobreza, mas pelos números dessa privação: 31 por cento da população não tinha uma almofada financeira de 540 euros para fazer face a uma despesa inesperada, sem pedir dinheiro em- prestado a outras pessoas; já tínhamos cerca de 58 por cento da população com dificuldades para chegar ao fim do mês com despesas pagas e, no momento actual, com o aumento do custo de vida esta proporção será superior. Na questão alimentar, a proporção era baixa, mas 2,4 por cento da população não tinha capacidade para comer carne ou peixe de dois em dois dias e nos idosos sobe para quase 8 por cento. São sinais de alerta e a realidade será grave”, alertou.

Outro alerta foi deixado pelo eurodeputado José Manuel Fernandes, considerando que “vai haver terreno fértil para o aumento dos populismos”. “Disso não tenho grande dúvida, mas não podemos retroceder nos valores europeus de liberdade, de democracia, do estado de direito e valores como a defesa da dignidade humana. São valores que em cima deles podemos construir um desenvolvimento e combater a pobreza, procurando que todos melhorem a sua situação. Nós temos condições para aumentarmos os salários em Portugal, para sermos mais competitivos, mais produtivos, não nos falta dinheiro da União Europeia, temos recursos financeiros que podem melhorar os salários de todos e termos um país competitivo. Claro que há um trabalho interno que é diminuir a burocracia, temos das maiores cargas fiscais da OCDE, a velocidade dos tribunais, há todo um trabalho que temos que fazer e todo este desenvolvimento tem que ser construído em cima de valores europeus”, frisou.