7.9.20

Nova orientação da DGS ainda não saiu, inúmeras crianças e jovens continuam em isolamento

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

A directora-geral da Saúde disse na sexta-feira que o fim do isolamento para crianças e jovens em perigo estava por horas, mas nova orientação não foi publicada. Mais um fim-de-semana sem as idas a casa previstas nos projectos de vida de muitos rapazes e raparigas.

Volvidos dois dias, nem sinal da nova versão da orientação técnica que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, na sexta-feira disse estar por horas. A comissão instaladora da associação AjudAjudar fala em “insensibilidade e indiferença”, lembrando que “inúmeras crianças e jovens residentes em casas de acolhimento permaneceram mais um fim-de-semana em isolamento, privados da possibilidade de visitarem as suas famílias”.

Os exemplos estão espalhados pelo país inteiro. Durante a semana, o PÚBLICO contactou perto de duas dezenas de instituições com estruturas residenciais para crianças e jovens em perigo e encontrou várias cumpridoras. Uma delas foi a Santa Casa da Misericórdia do Porto, que não deixou de se declarar “sensível e preocupada com o impacto das medidas em vigor no que concerne a estas crianças e jovens”.

O Colégio Barão de Nova Sintra acolhe 36 crianças e jovens entre os nove e os 19 anos (a lotação é para 42 entre os seis e os 25). Durante a pandemia, entraram nove e, segundo resposta enviada pela Santa Casa da Misericórdia do Porto por escrito, “todos cumpriram o período de isolamento de 14 dias”, mesmo com teste negativo de covid-19. Chegadas as férias, vários foram visitar as famílias. “A nossa equipa efectuou visitas prévias de avaliação das condições das casas e sensibilizou as famílias para o cumprimento das boas práticas e recomendações da DGS. Durante as férias, foram igualmente realizadas visitas de acompanhamento nestes domicílios, com o propósito de verificar o cumprimento das recomendações.” Nem assim, no regresso, deixaram de sujeitar crianças e jovens a isolamento profiláctico de 14 dias.

A Santa Casa não especificou quantos estavam a fazer isolamento. Afiançou que, “apesar das limitações estruturais dos espaços e recursos humanos, que são desafiantes quando existem isolamentos de um grande número de crianças e jovens em simultâneo, o Colégio Barão de Nova Sintra procura cumprir todas as recomendações das autoridades competentes”. Até “adopta, adicionalmente, o uso de máscara em determinadas situações específicas, como medida preventiva”. Isto sem deixar de considerar que as orientações da DGS “devem ser reavaliadas e ponderadas tendo em conta a realidade destas estruturas e o impacto nestas crianças e jovens”. “Até lá, iremos manter um posicionamento de esforço no cumprimento das determinações das autoridades competentes”, lia-se nas respostas enviadas quarta-feira, ao final do dia.

Na sexta-feira, Graça Freitas anunciou que a revisão da orientação técnica que equipara crianças e jovens em acolhimento residencial a idosos em lares estava por horas. “É mesmo muito brevemente, só não posso dizer a hora exacta”, assegurou. “Uma vez que, com o início das aulas, a comunidade para onde estas crianças vão é uma comunidade aberta ao exterior, as crianças vão ficar isentas de fazer qualquer tipo de quarentena.”

Naquele dia, a nova versão não foi publicada no site da DGS. Sábado, também não. Este domingo, continua sem o ser. Desde sexta-feira, o PÚBLICO tem perguntado amiúde ao gabinete de comunicação da DGS quando sai a revisão, obtendo sempre a indicação de que não sabem.

A comissão instaladora da AjudAjudar, a associação que apresentou queixa à Provedoria de Justiça, considera que a “DGS revela uma total insensibilidade e indiferença para com as necessidades e direitos fundamentais das crianças e jovens acolhidos/as, direitos esses que estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na Convenção sobre Direitos das Crianças, na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”.

Pediram audiências aos vários partidos representados no Parlamento e com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e já as têm agendadas com o BE e com o PCP. “Queremos acreditar que este é apenas mais um atraso que, embora revelando mais uma vez insensibilidade para com a situação destas crianças e destes jovens, será corrigido a breve prazo”, disse Sónia Rodrigues. Tomar “qualquer outra medida vai depender de a demora subsistir ou do teor da nova orientação continuar a não respeitar os direitos das crianças e dos jovens em acolhimento residencial”.

Aquela psicóloga — supervisora de casas de acolhimento e membro do centro de investigação e intervenção em acolhimento e adopção da Universidade do Porto — lembra que, desde o início da pandemia, a DGS tem ditado orientações que equiparam crianças e jovens em acolhimento residencial a idosos em lares. E reitera a necessidade de tomar medidas tendo em conta as especificidades deste grupo.

“Se o sistema de acolhimento tivesse integrado as mudanças que a lei de protecção de crianças e jovens exige, não estaríamos com este problema neste momento”, salienta. “Era importante que se aproveitasse a oportunidade para fazer sair a portaria que vai permitir reformular estas casas”, diz. O regime, aprovado no dia 25 de Outubro de 2019, determina que as casas não devem ter mais de 15 crianças. As unidades para jovens no processo de autonomização, sete. “Falta a portaria que dirá como é que essa mudança se irá fazer, como é que as casas poderão financiar essa mudança.” Era suposto ter saído em 90 dias. Também continua a faltar a portaria para pôr em marcha as famílias de acolhimento.