André Rubim Rangel, in Jornal Regional.com
À Conversa com... José Vieira da Silva, Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social
VP – Com a preocupação social nacional, também patente no Porto, como vê que se possa estabelecer atitudes essenciais como a parceria e a cooperação, em complementaridade com a Igreja?
JVS – Nós temos problemas e desafios comuns a toda a sociedade, mas temos uns mais específicos em determinadas zonas. Se, por exemplo, no Interior os fenómenos do isolamento e da desertificação económica, que trazem muitas vezes carências significativas sobre os problemas mais relevantes, já nas grandes aglomerações urbanas se concentram hoje nos novos problemas da acção social, nas novas formas de exclusão e de pobreza. Há também, por vezes, menor capacidade de resposta das Instituições de Solidariedade, sejam públicas ou particulares, do sistema solidário ou não, a essas carências sociais.
VP – Mas onde incidem, de facto, a nível geográfico, as maiores carências sociais?
JVS – Nós hoje podemos dizer que as zonas mais críticas do ponto de vista de cobertura das respostas sociais estão nas áreas metropolitanas. Não tenho a menor dúvida sobre isso, visto que a concentração demográfica e os fenómenos migratórios e imigratórios vieram trazer novas realidades sociais que no passado não existiam. Portanto, estamos a fazer actualmente um esforço muito grande, nomeadamente com o programa PARES, não apenas para aumentar a resposta mas também para equilibrá-la territorialmente. Os critérios de apoio deste programa são critérios que incorporam também o grau de cobertura e de atendimento que em cada região existe. Contribuímos, assim, para uma rede mais equilibrada no futuro e, nalgumas dimensões, uma rede mais integrada, ou seja, com capacidade de se reforçar nas zonas metropolitanas e nas zonas suburbanas, de uma forma mais intensa. Há aí factores de risco e zonas de fragilidade mais marcantes.
VP – Usando uma expressão do senhor Ministro, esta acção tem múltiplos e variados instrumentos. Neste aspecto da quantidade, sem aliarmos a qualidade, serão realmente suficientes para combater os fenómenos da exclusão e da pobreza, visto que ainda existem em grande escala e com um fosso maior entre estratos?
JVS – Naturalmente que há assimetrias no nosso país. Consoante as épocas históricas elas jogam mais favor umas do que outras. É uma característica típica do crescimento económico, embora não seja desejável, e cabe às políticas sociais contrariar alguns dos aspectos mais negativos dessas assimetrias. Existe, como citou, um conjunto variado de instrumentos de política social. Não podemos considerar que resolva os problemas todos. Muitos têm que ser resolvidos em esferas mais afastadas desta área social e muitos até estruturantes.
VP – Mesmo estando abrangidos pela lei... Consegue fiscalizá-los, de modo a ver se estão a ser cumpridos?
JVS – Não apenas por isso mas também por fenómenos como o desemprego e a exclusão, que têm a ver com dinâmicas sociais e económicas que não encontram, porque não podem, resposta apenas na política social. Tem que se na própria Economia, no próprio sistema de Educação, da Saúde e da Justiça. Há muitas dimensões do combate à exclusão que não se esgotam nos instrumentos específicos desse combate. Agora, nesses instrumentos, obviamente que tendemos sempre a considerar que os recursos são insuficientes! Quantos mais recursos tivéssemos mais eficaz seria esta política. É o que eu chamo de “eficácia social”: são melhor aplicados conforme mais dirigidos aos que deles necessitam. Aqui valorizo os instrumentos de protecção social, que se aplicam aos mais idosos, como as prestações sociais; depois, a acção de acompanhamento e das famílias, da sua promoção social e capacidade de integração no mercado de trabalho; e, finalmente, toda esta rede de equipamentos e serviços sociais. Todos estes instrumentos têm que se conjugar para termos comunidades mais activas e participativas, com poder de acção.
VP – Assinalou agora dois públicos-alvo: os idosos e a família. Entre os outros existentes, como as crianças e as pessoas portadoras de deficiências, quais são os mais problemáticos e que tem sido mais difícil assistir, em condições favoráveis?
JVS – O Plano Nacional para a Inclusão (PNAI), entretanto aprovado, tem algumas grandes áreas fundamentais. Uma é combater a pobreza, principalmente nos idosos – uma área fundamental – e nas crianças. A dos idosos tem uma dureza por vezes mais intensa do que noutros sectores sociais, porque está associada a factores estruturais muitos longos, bem como a resposta é mais limitada do que em outros segmentos. São pessoas já fora da vida activa, cuja mobilidade social não se consegue atingir para outros sectores etários da nossa população. A segunda área é a educação e qualificação das pessoas. É nestas linhas que estamos a trabalhar prioritariamente e é para aí que tentamos mobilizar o esforço da acção voluntária, em particular junto dos idosos, porque a sua exclusão não é apenas financeira, mas muitas vezes derivada ao isolamento. O voluntariado pode assim ter um alcance muito significativo.
VP – Segundo o modelo europeu nota-se uma menor eficácia nas transferências sociais. Como podemos inverter esta situação?
JVS – Precisamente dirigindo-as àqueles que são mais carenciados. Ou seja, reforçando a lógica e perspectiva da diferenciação positiva. Nós temos de ter políticas sociais, nomeadamente Segurança Social universais, mas também temos de saber combinar com políticas que sejam mais activas e intensas para os que mais precisam. Se assim for tornamos as políticas mais eficazes e reduzimos a pobreza ainda existente – alguma extrema – no nosso país.
VP – Que análise faz da prestação do Ministério a que preside, dos últimos anos para cá? Visto que somos um povo muito solidário, podemos dizer que está no auge ou que caminha para lá?
JVS – Não, nunca é possível falar em ‘auge’. A nossa sociedade é complexa e contraditória. E nós tanto assistimos a sinais de força de solidariedade e de empenhamento, como também sinais de desestruturação dos laços de coesão social. Preocupa-me, particularmente, o isolamento em que os nossos idosos são tantas vezes deixados e essa é também uma batalha cultural que temos de ganhar junto das famílias. A coesão começa por aí, pela comunidade e pelo tecido social, nos seus aspectos mais autónomos e próprios. Portanto, como há momentos contraditórios nas sociedades modernas enquanto há riscos de isolamento que se agravam, há também uma maior sensibilização das comunidades na intervenção da acção social.