17.1.14

O cristianismo vende: "não é fraturante, é estruturante!" (2)

Fátima Pinheiro, in Expresso

A frase entre aspas que está no título é de ontem e é de D. Manuel Clemente. Disse-a a propósito da co-adoção mas bem pode sintetizar o que à noite depois realçou sobre a Igreja. O tema da Conferência que fez na Escola de Turismo e Hotelaria de Lisboa : "Uma Igreja de pobres para pobres". Trata-se do tema de fundo da Exortação Apostólica "A Alegria do Evangelho", sonho do Papa Francisco. Na realidade nada o despe de uma alegria no rosto, paredes meias com o sério que num momento o veste quando nos olha. D.Manuel trazia no bolso e na cara um Deus estruturado e estruturante. Como diz o povo, nada de mariquices: foi direto ao assuno e cheio de razões. Ao ouvi-lo temos aquele feeling de estar diante de um homem que fala do que vive, e que é um dos nossos. O cristianismo é para "optar" cada dia, senão é conversa de treta ou um postiço que pomos para quando é preciso.

Precisamos de estrutura, porque de fraturas temos a barriga cheia. Porque não compramos o que nos faz falta? Passo a palavra a D. Manuel para quem o Cristianismo é convincente. Porquê? Porque o Deus de que vive é uma novidade: pobre. "Nunca ninguém inventou um Deus assim", excedendo as nossas expectativas. "A pobreza de Deus despista-nos", acrescentou. Ou seja, há dois mil anos, num momento histórico singular, de Impérios e Civilizações, "Deus revela-se no buraco de Belém". Muitos não notaram - e a história repete-se hoje - porque o coração não tem lugar para um Deus que é despossessão; o coração engraça com a riqueza e o desejo de grandeza. "Nós não queremos ser filhos de Deus, mas pais de Deus", disse, lembrando que "Deus é amor", e que "Há mais felicidade em dar do que em receber". Exemplificou, entre outros, com a irmã Teresa de Calcutá, que ao ouvir "tenho sede" - ia ela num comboio que se dirigia para o Norte da India, pejado de gente - não mais parou de tratar dos outros. Abandona o lugar de professora, parte da estaca zero, e o resto da história já sabemos. Quero lá eu partir do zero e ser pobre para tudo?!!

Da conferência, que se centrou nos números 197 e 198 da Evangelli Gaudium, sublinho ainda o seguinte: pobreza não é miséria; viver é ter a pobreza de apenas "pensar no amanhã", e não me pre-ocupar com ele. Porque o dia a seguir ao de hoje só é se Deus quiser...tentar possuir o tempo é tempo perdido.

A pobreza é então uma categoria teológica uma vez que se prende à nossa relação com Deus: "Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica. Deus 'manifesta a sua misericórdia antes de mais' a eles. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a possuírem 'os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus'. [...] Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes têm muito para nos ensinar. " (nº198)