Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Sérgio Cintra, administrador executivo, sublinha importância das pontes criadas nos últimos anos, apontando “novo modelo de gestão, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias”
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa já não se fecha tanto num mundo à parte, sobre si própria, com ar de auto-suficiente. Reorganizou algumas respostas sociais, tratou de desenvolver um modelo descentralizado, de construir pontes. Há uma marca de Santana Lopes na intervenção social?
Os relatórios e contas mostram que a partir de 2011 aumentaram os subsídios a pessoas carenciadas. Apontam a crise da dívida e o recuo do Estado social. Houve uma quebra no último semestre de 2014, que se tem vindo a manter. Atribuem-na à autonomização das pessoas, mas também à diminuição do tempo de espera na atribuição das prestações sociais.
Esta não é uma misericórdia como as outras. Reúne e coordena serviços que noutros concelhos são assegurados pela Segurança Social. Faz atendimento social, gere o serviço de adopção, uma rede de equipamentos de infância e juventude, respostas sociais para pessoas portadoras de deficiência, todo o tipo de serviços para idosos. E a emergência e o apoio à inserção de sem-abrigo.
Além de uma grande dimensão, a Santa Casa tem uma grande tradição, comenta Luís Capucha, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. A acção do provedor tem de atender a essa carga, que requer alguma estabilidade, mas também à orientação política. Afinal, este é um cargo de nomeação governamental. Parece-lhe que houve uma tentação caritativa, na era Passos Coelho, e um regresso à lógica solidária, com António Costa.
Que não haja equívocos, reclama Sérgio Cintra, administrador executivo da Santa Casa com o pelouro da Acção Social. “O provedor não se limita a gerir, tem uma visão própria”, sublinha. “Estamos inconformados com algumas soluções, achamos que devemos ser diferentes e temos iniciativas diferentes, inovar.” Nestes últimos cinco anos, a Santa Casa reabilitou equipamentos. Reorganizou serviços. Abriu duas residências de apoio moderado destinadas a jovens adultos que não conseguem ter autonomia completa mas têm capacidades para viver em habitação com suporte. Envolveu-se na criação da Rede Social e do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo de Lisboa. Ficou com a responsabilidade da intervenção e, nesse âmbito, com a gestão da Unidade de Atendimento à Pessoa Sem Abrigo.
Há, hoje, maior abertura ou, pelo menos, maior esforço de articulação, concorda Joaquina Madeira, que foi directora-geral da Acção Social entre 1991 a 2000 e em 2012 assumiu o papel de coordenadora Nacional do Programa Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações.
Sérgio Cintra prefere falar em pontes. Menciona o acordo firmado com a União das Misericórdias Portuguesas, que permitiu usar receitas do jogo para apoiar actividades de outras misericórdias do país. E um novo modelo de gestão, iniciado na sequência da reforma administrativa da cidade (24 freguesias), “mais descentralizado, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias, numa lógica de governação integrada”. Este novo paradigma, explica, assenta numa abordagem colaborativa e na gestão de caso.
Sérgio Aires, director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, nota um esforço para requalificar as equipas técnicas e para tomar decisões baseadas em conhecimento. “Nos últimos anos, os funcionários estão mais próximos das pessoas”, analisa. Tratam-nas com maior cuidado, seguindo uma lógica que, pouco a pouco, se propaga pelo todo nacional.
A Santa Casa, gaba-se Santana Lopes, já não fica tanto à espera que quem precisa bata à porta. E dá o exemplo do projecto Intergerações, que fez, pela primeira vez, o levantamento da situação dos idosos que vivem na cidade de Lisboa. Quase 60 jovens percorreram as ruas de Lisboa, porta a porta, e encontraram mais de 500 idosos a precisar de apoio urgente.
O provedor faz a defesa da intergeracionalidade e da substituição do apoio em lares pelo apoio em casa. E, lembra Sérgio Cintra, as equipas de apoio a idosos foram requalificadas e reforçadas. Foi impulsionada a figura do cuidador familiar. O curso de formação para agentes de geriatria termina em Novembro de 2016. E a Acção Social está agora a preparar um projecto de intervenção e apoio directo aos utentes e às famílias de modo a reforçar e qualificar o apoio no domicilio. Está já a preparar um manual de boas práticas para cuidadores informais.