21.7.22

Os portugueses gastam mais em raspadinhas do que em seguros de saúde

Henrique Raposo, opinião, in Expresso

Os portugueses, enquanto povo, gastam mais em raspadinhas do que em seguros de saúde. Como é que se governa um país com este nível de irracionalidade? Quantos seguros de saúde, quantas propinas de colégios ou faculdade, quantas bilhas de gás para os dias frios, quantas refeições saudáveis não estão naqueles 1718 milhões queimados na raspadinha pelos mais pobres?

Estado da nação? Claro que muito do que está errado parte da governação socialista, que tem sido dominante desde 1995. Há uma ideia de Estado e de sociedade – a ideia socialista – que está na base da nossa decadência e do constante empobrecimento neste século. É o socialismo que cria os tais “problemas estruturais” que o PS não resolve porque a sua solução implica a negação do PS. Mas há outro tipo de problemas, problemas orgânicos, culturais, que estão na mentalidade dos portugueses – uma mentalidade de pobreza que cria ainda mais pobreza.

A raspadinha é uma doença social e económica neste país porque vicia os pobres num nível de jogo sem precedentes. A Dona Maria não vai ao casino ou a uma sala de batota jogar com os homens, mas vai à papelaria ou ao café torrar a reforma em raspadinhas. O caso está amplamente estudado e é de facto uma vergonha que a Santa Casa e o Estado usem a psique da pobreza que procura estímulos imediatos que dão conforto, daí a relação entre pobreza e obesidade, daí a relação entre pobreza e aquele gesto frenético de raspar a raspadinha. Seja como for, com ou sem psique da pobreza que debilita o livre arbítrio e a racionalidade das escolhas, o certo é que os portugueses gastam milhões em raspadinhas. Em 2020, gastaram 4,7 milhões de euros por dia em raspadinhas, o que dá o incrível valor de mil milhões e setecentos e dezoito milhões. Para termos a noção desta irracionalidade dos mais pobres (que devia ser mitigada e não explorada), convém registar que os portugueses gastam mil milhões em seguros de saúde privados.

Ou seja, os portugueses, enquanto povo, gastam mais em raspadinhas do que em seguros de saúde. Como é que se governa um país com este nível de irracionalidade? Quantos seguros de saúde, quantas propinas de colégios ou faculdade, quantas bilhas de gás para os dias frios, quantas refeições saudáveis não estão naqueles 1718 milhões queimados na raspadinha pelos mais pobres? Pior: como é que o Estado e a Santa Casa exploram esta irracionalidade em vez de a travar?

Claro que estamos a falar de dois agregados populacionais diferentes. Os seguros de saúde pertencem à classe média que consegue pensar racionalmente a sua vida; o grupo da raspadinha representa a pobreza sem qualquer esperança e mergulhada naquele vórtice da miséria. E este é talvez o grande problema: o socialismo que nos apascenta tem criado pobreza, empobrecimento e sobretudo esta cultura de desesperança nos mais pobres, que acabam por ter no gesto de raspar a raspadinha a sua grande esperança de um futuro melhor.