13.7.22

Regresso da “força bruta” e diferenças entre sexos

Daniela Silva, opinião, in Jornal Económico

Existem características e tendências comportamentais distintas em função de se ser homem ou mulher. Esta afirmação pode ser controversa, a menos que falemos sobre cargos de liderança ou de agressividade.Nos tempos que correm, pode ser muito polémico fazer análises sociais ou políticas com referência a diferenças entre sexos. Desde logo, entre os mais jovens, dir-se-á que será sinal de pensamento retrógrado e de que não se esteve obedientemente atento aos sermões sobre a construção social dos “papéis de género”, na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.

Mas a verdade é que tem vindo a ecoar por aí a ideia de que as lideranças femininas têm qualidades inestimáveis e, consequentemente, a existência de mais mulheres em cargos de liderança política e militar poderá ajudar a resgatar as sociedades de uma suposta tendência masculina para a agressividade, para a exploração e para a “força bruta”.

Este assunto vem a propósito de Boris Johnson, no final de Junho, ter afirmado que “se Putin fosse uma mulher, não teria iniciado esta guerra maluca de macho”, já que aquilo que Putin está a fazer na Ucrânia constitui “um exemplo perfeito de masculinidade tóxica”, nas palavras do primeiro-ministro britânico, agora demissionário.

O primeiro aspecto que sobressai é que as diferenças sexuais, actualmente, só são reconhecidas no discurso político, académico ou em conversas informais, se puderem ser usadas como justificação feminina para aceder a posições sociais, económicas e políticas mais vantajosas. De outro modo, não se admite a existência de determinismos biológicos, nem que as mulheres se acomodem a regras sociais e funções específicas tipificadas em função do seu sexo.

Assim sendo, as características distintivas das mulheres, inclusive a empatia nas relações sociais e o apego à segurança (ou aversão ao risco), só devem ser notadas e enaltecidas se servirem para reivindicar uma alteração das estruturas do dito “patriarcado”.

De acordo com algumas perspectivas feministas das relações internacionais (J. Ann Tickner, Christine Sylvester, Cyntia Enloe, Gillian Youngs, etc.), a abordagem realista que descreve a relação entre Estados como uma luta permanente pelo poder é um desses reflexos do predomínio masculino a nível teórico e institucional. Nesse sentido, a própria concepção realista do poder e dos conflitos é interpretada como uma perpetuação das relações de poder e de subordinação das mulheres na política global.

Ao pressuporem que as opções políticas têm um carácter sexuado, estas autoras deduzem então que uma maior presença feminina em cargos de poder nas instituições políticas, económicas e militares terá um efeito pacificador a nível global.

Não é muito comum ver o lado mais “dócil” das mulheres ser identificado por feministas como característica intrínseca. Pelo menos neste ponto, tendo a concordar com as autoras. E até Francis Fukuyama concordaria, já que argumentou, em 1998, que a tendência competitiva e a agressão são traços mais masculinos e que à medida que as mulheres ganham poder nas sociedades pós-industriais ocidentais, essas sociedades devem tornar-se “menos agressivas, aventureiras, competitivas e violentas”. Porém, Fukuyama também postulou que uma política feminizada só seria uma vantagem num mundo totalmente feminizado.

Enquanto persiste uma guerra no continente europeu, com pesadas consequências para todos nós, e que poucos quiseram a antecipar, importa reflectir sobre os riscos de menosprezar o modelo realista na análise da política internacional.

É interessante notar que, por toda a Europa, as pastas da defesa têm sido frequentemente confiadas a mulheres, mesmo que na maioria dos casos não possuam qualquer experiência militar. Estas escolhas não são arbitrárias e revelam uma opção clara dos países europeus pelo recuo em investimento militar e pela desvalorização gradual do “hardpower”, enquanto elemento de credibilização e segurança regionais. A par destas mudanças, as características masculinas vão sendo reprimidas no âmbito militar ao serem conotadas com o pejorativo conceito de masculinidade tóxica.

Independentemente de qual seja a explicação para a maior resistência e predisposição masculina para participar na guerra, a severa realidade na Ucrânia voltou a reafirmar o padrão histórico em que as mulheres e as crianças são protegidas e afastadas das ameaças, enquanto os homens se organizam para defender os interesses do seu grupo, por muito desagradável e aterrorizante que seja a tarefa militar. Há uma distância enorme entre aquilo que os indivíduos querem fazer e aquilo que têm o dever de fazer. É uma questão de obediência, tenacidade, sacrifício e de missão colectiva.

Surgindo a necessidade de fazer a guerra, aquilo que se procurará racionalmente é atingir o melhor resultado, com os menores custos possíveis. Acresce que as decisões no âmbito da política internacional e da guerra exigem humildade face ao outro, conhecimento de experiências passadas e capacidade de cálculo e de decisão em contextos de grande imprevisibilidade. E, quando as sirenes tocam, quando a diplomacia e o idealismo não salvam o dia, quem é que se oferece para dar o corpo às balas para proteger a família e o seu povo?