6.7.22

Líderes europeus deixam cair as reservas e abrem definitivamente a porta à Ucrânia

Rita Siza, in Público

Antes do Conselho Europeu, os 27 vão reunir com os líderes dos Balcãs Ocidentais, para afastar a ideia de um tratamento preferencial dos países ameaçados pela Rússia no processo de alargamento.Já não há nenhum elemento de suspense, nem qualquer hipótese de reviravolta dramática, capaz de alterar o guião escrito para o Conselho Europeu desta quinta e sexta-feiras, em Bruxelas. Os chefes de Estado e governo da União Europeia, que no rescaldo da invasão da Ucrânia pela Rússia não escondiam as suas reservas sobre o pedido de adesão apresentado pelo Presidente Volodymyr Zelensky, nem a sua relutância em discutir a integração no bloco de um país em guerra, vão confirmar a Kiev o estatuto de país candidato — e esvaziar definitivamente de sentido a argumentação de Moscovo para justificar a sua agressão.

Os 27 vão deixar uma mensagem clara de reconhecimento da “perspectiva europeia” da Ucrânia, da República da Moldova e da Geórgia, as três antigas repúblicas soviéticas que fazem parte da chamada Parceria Oriental da UE e que enfrentam uma ameaça existencial por parte da Rússia, respondendo favoravelmente aos seus pedidos para uma adesão futura.

No caso da Ucrânia e da Moldova, os líderes europeus vão mesmo conceder-lhes o estatuto oficial de países candidatos, abrindo a porta ao início do processo (necessariamente longo) de negociações, mediante o cumprimento de algumas condições especificadas pela Comissão Europeia por exemplo para o combate à corrupção ou o reconhecimento dos direitos das minorias.

Este desfecho, antecipado há uma semana durante uma visita a Kiev pelos líderes da Alemanha, França, Itália e Roménia, é hoje tão garantido quanto era absolutamente impensável há quatro meses, quando a guerra começou. Na cimeira informal de Versalhes, em Março, quando o Conselho Europeu fez o seu primeiro debate político sobre as aspirações da Ucrânia, pelo menos uma dezena de líderes manifestaram a sua indisponibilidade para apoiar uma expansão do processo de alargamento — principalmente para incluir um país em guerra.

Hoje, não há um único Estado-membro que se oponha à candidatura ucraniana (nem da Moldova e da Geórgia, que será incentivada a promover as reformas necessárias para também poder beneficiar do estatuto oficial de candidato à entrada na UE). Os líderes mais renitentes, que em Versalhes alertavam para o risco de uma resposta precipitada da UE à Ucrânia, que viesse a “deturpar” o processo de alargamento e retirar credibilidade às decisões da UE, baseadas em critérios técnicos e jurídicos mais do que em considerações geopolíticas, foram ultrapassados pelos acontecimentos.

“Ninguém é indiferente ao contexto político da guerra, nem ao comportamento da Ucrânia nestes últimos meses”, explicava uma fonte europeia, chamando a atenção não só para a pressão emocional exercida pela opinião pública, como também para os esforços diplomáticos e o “trabalho bastante impressionante das autoridades de Kiev para responder ao questionário da UE”.

Ao mesmo tempo, este responsável assinalava o papel desempenhado pela Comissão Europeia no processo, e o respaldo político que a recomendação “equilibrada” produzida pelo executivo comunitário dá aos líderes europeus. “O parecer da Comissão é muito equilibrado, porque por um lado reconhece a evolução dos países que lhes permite cumprir os critérios para obter o estatuto de candidato, mas também aponta para os critérios adicionais que vão ter que cumprir para que o processo se possa desenvolver”, observou.

Essa é uma mensagem que o Conselho Europeu reforçará, tanto em relação à Ucrânia, Moldova e Geórgia, que agora entram no processo do alargamento, como com os países dos Balcãs Ocidentais, que já estão há anos nesse campeonato.

A cimeira dos 27 vai ser antecedida por uma reunião informal dos líderes europeus com os seus congéneres da Albânia, Bósnia Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Kosovo, que servirá sobretudo para a UE afastar a ideia de que há um tratamento preferencial e diferenciado dos países ameaçados pela Rússia, e insistir que a evolução dos países dos Balcãs em direcção ao bloco depende dos seus próprios méritos e da sua capacidade para promover as mudanças e reformas necessárias para o alinhamento com o acervo comunitário e a integração no mercado único europeu.

Não é inteiramente verdade: no caso da Albânia e da Macedónia do Norte, a abertura das negociações de adesão já não depende da execução das medidas exigidas por Bruxelas (que foram cumpridas), mas antes da resolução de uma disputa política com a Bulgária, que está a bloquear o avanço do processo. O nível de frustração na região provocado por este veto político levou os dois países, e também a Sérvia, por simpatia, a ameaçar não participar na reunião, mas na quinta-feira todos confirmaram a sua presença.

A França, que está prestes a passar a presidência do Conselho da UE à República Checa, assumiu o papel de mediadora e negociou um compromisso político, em vários pontos, para a Bulgária deixar cair o veto ao início da conferência intergovernamental com a Macedónia do Norte, que aceitava levar a cabo uma alteração constitucional e anexar um protocolo adicional ao seu tratado de amizade bilateral. Mas o Governo de Sofia, que tinha sido recentemente empossado, viu esta quinta-feira aprovada uma moção de censura no Parlamento, que deita por terra qualquer esperança de desbloquear o processo nos próximos dias.

A conversa dos líderes europeus com a Bósnia Herzegovina e com a Sérvia também não será fácil. Se no primeiro caso, existe alguma exasperação do lado europeu com a lentidão das autoridades bósnias na implementação de reformas, no segundo existe mesmo uma censura da direcção política do governo sérvio, que por exemplo recusou alinhar o país com as sanções europeias contra a Rússia.

O Conselho Europeu não voltará ao tema das sanções, mas os líderes vão voltar a discutir, ainda que sem propostas concretas, a melhor forma de apoiar Ucrânia em várias dimensões: militarmente e do ponto de vista financeiro, no curto prazo, e na reconstrução do país, quando chegar esse momento. Os 27 também vão avaliar como podem contribuir para o escoamento de milhões de toneladas de cereais retidos na Ucrânia por causa do bloqueio russo.