6.7.22

Os números, as pessoas e as redações infelizes

Por Fernando Alves, TSF

a sequência de uma notícia do JN sobre um documento do Instituto de Segurança Social com indicações de redução do número de beneficiários do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas de 120 mil para 90 mil, a presidente do Instituto foi chamada à Comissão Parlamentar do Trabalho, Segurança Social e Inclusão onde reconheceu que o documento em causa é verdadeiro. Já a sua redacção, observa Catarina Marcelino, "não foi a mais feliz".

A emenda da presidente do Instituto de Segurança Social enfraquece, ainda mais, o soneto. Sendo verdadeiros os números do documento, qualquer redacção "mais feliz" introduziria a ilusão e o engodo. Na comissão parlamentar de ontem, Catarina Marcelino tentou afastar a nuvem da insensibilidade que muitas vezes parece contaminar o discurso e a condução das políticas com uma anotação só aparentemente inócua, a de que a quantificação estabelecida no documento era apenas uma referência, "um número meramente indicativo". Ora aí está o busílis. Não bate certo com a tão apregoada ideia de que as pessoas não são números. Nem sequer indicativos. É uma ideia que faz o seu caminho no calor das campanhas, assim a saibam embrulhar em redacções felizes.

Na verdade, mais do que a infelicidade das redacções, o que temos pela frente é a desgraça dos números.

Na mesma audição, Jardim Moreira, o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza referiu-se a "uma minoria de dois milhões de pessoas que perdeu a voz, encarcerada pelas grades da pobreza e da exclusão, que o país silencia a troco de migalhas".

Ora, citando um slogan de uma rádio já desaparecida, uma minoria de dois milhões é "uma imensa minoria". É um número não meramente indicativo. Para Jardim Moreira, este número revela que as políticas públicas não são eficazes. Não há uma redacção mais feliz para o dizer.