6.12.19

Marcelo diz que o Governo já tomou medidas para desbloquear respostas para os sem-abrigo

Margarida Gomes, Mariana Correia Pinto e Paulo Pimenta (Fotografia), in Público on-line

Menos de um mês depois de ter criticado “paragem” na concretização da estratégia nacional de integração dos sem-abrigo, o Presidente reconhece que alguns passos foram dados para “desbloquear pontos sensíveis”.

Desta vez não houve ralhete ao Governo. O Presidente da República afirmou esta quinta-feira que o executivo já avançou com algumas medidas no âmbito da estratégia nacional para a integração de pessoas em situação de sem-abrigo. Marcelo Rebelo de Sousa falava no final de uma reunião, no Porto, em que participou a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, menos de um mês depois de o chefe de Estado ter afirmado que em 2019 tinha havido uma “paragem” na concretização do plano para a erradicação do problema dos cidadãos sem tecto, até 2023, que impôs ao Governo logo no início do mandato. Segundo o Presidente, a reunião com os parceiros de intervenção no Porto “permitiu ouvir as experiências, as propostas e as sugestões às questões actuais que se colocam às várias instituições”.

Marcelo Rebelo de Sousa destacou a importância destas entidades, afirmando que “estão no terreno a trabalhar no dia-a-dia com uma experiência notável para enfrentar os sem-abrigo”
Nesta reunião “foi possível à senhora ministra vir aqui expor algumas das medidas já tomadas para desbloquear pontos sensíveis”, começou por dizer o Presidente, em conferência de imprensa, que se realizou depois da reunião que sentou à mesma mesa a Câmara do Porto e outras instituições da cidade.

Uma dessas medidas passa por um sem-abrigo poder ter apoio em qualquer ponto do território do país, independentemente da área em que se encontra registado. Ou a abertura aos sem-abrigo, ou àqueles que o foram até há pouco tempo, de oportunidades de emprego e formação profissional”. Uma outra medida tem a ver com a criação de uma plataforma informativa mais completa, mais rápida e menos burocrática”, para ligar as várias instituições da administração central, poder local e sociedade civil.

Na reunião, que decorreu à porta fechada, foram abordadas situações relacionadas com o “alojamento de emergência”. Segundo Marcelo, trata-se de “alojamentos de emergência” de “mais curta duração e com contornos e regras diferentes das do alojamento temporário”. Depois do “alojamento de emergência”, veio a habitação. “Falámos de habitação, da aposta municipal, da aposta da Santa Casa da Misericórdia e da administração central, de uma aposta global”, disse o chefe de Estado, revelando que a ministra “tomou boa nota de questões, umas mais específicas e outras mais genéricas. Há questões de resposta mais fácil no curto prazo e outras a envolver acções no quadro da estratégia que está em vigor”.

Fazendo um breve resumo do que foi debatido à porta fechada, o Presidente da República declarou que “estas reuniões são muito ricas, porque quem trabalha com pessoas de carne e osso apresenta “questões novas”. “Estas reuniões são muito ricas porque quem trabalha com pessoas de carne e osso oferece uma riqueza de pontos de vistas e levanta questões novas que merecem respostas novas”. E acrescentou: “E esse é o passo qualitativo importante que queremos dar neste final de 2019, apontando para 2020 e depois para o que virá a ser a estratégia no horizonte 2021, 2022 e 2023.

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Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou ainda que a reunião foi “muitíssimo útil”, porque “permitiu dar um passo muito importante no sentido de reforçar a solidariedade de todos os que estão na causa comum, mas também abrir novas pistas de solução”.

Fazer a diferença é possível
A prova de que a mudança pode acontecer cabe no Estádio do Mar. Marcelo Rebelo de Sousa deixou a reunião com as instituições da cidade, já a noite havia caído, para conhecer, em Matosinhos, os “heróis” Carlos Daniel e Joaquim Melo. Eles conhecem por dentro a vida dolorosa nas ruas, mas conjugam a história no pretérito, depois de o Leixões os ter acolhido na sua casa. O Presidente da República parecia levar a mensagem estudada: “Se é possível o Leixões receber esta gente, é possível outros fazerem o mesmo. O que custará abrir caminho a três ou quatro pessoas?”

Paulo Lopo, o presidente do clube, jura não custar nada. E ser um ganho para a “família” agora alargada. Bastou chutar “preconceitos” e não perder de vista o essencial: “Os sem-abrigo são pessoas como nós a quem a vida correu mal.” Carlos Daniel, 41 anos, dorme no lar dos atletas e tornou-se uma espécie de “zelador” dos mais novos. À noite, estuda para completar o 12.º ano. De dia, voltou a sonhar com uma outra vida, deixando para trás um carro que lhe servia de tecto. Joaquim Melo, casaco leixonense vestido, abraça o presidente e faz-se anfitrião no relvado para lhe mostrar o seu trabalho: as cadeiras do estádio estão a ser pintadas de vermelho vivo por ele. “Aqui estão a ajudar-me em tudo”, conta emocionado.
De volta ao Porto, nas traseiras do mercado do Bom Sucesso, junto à carrinha da CASA – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo, José Alberto Reis cumpre o sonho da selfie com o Presidente da República. Depois da sopa e da massa com carne servida, há-de carregá-la na sua conta de Instagram onde tem já fotografias com outros “famosos”. Tem 29 anos, está desempregado, vive na rua desde que o quarto onde dormia, no coração do Porto, foi convertido em alojamento turístico.

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“A gente não tem lugar no mundo”, diz entristecido. Ao lado, Daniel Cutelo e Marisa Costa ouvem e contam a sua história. Ele é do Porto, tem 30 anos, recebe o Rendimento Social de Inserção. Ela é de Famalicão, tem 31, não tem nenhum apoio. Moram juntos numa tenda em Leça da Palmeira. “Se as casas abandonadas fossem restauradas, não acontecia isto”, atira Daniel, para logo declarar a sua “enorme alegria” por ver ali o “senhor Presidente”.

Os termómetros já caíram aos sete graus e Marcelo Rebelo de Sousa vai servindo sopas e massa, já com uma camisola azul claro da CASA na mão. Um homem aproxima-se para lhe falar da instituição ali presente: “Há muitas que recebem e não dão nada. Esta nunca falhou”, declara, perante o aceno do presidente: “Eu sei, sei…” A poucos metros, já depois de Marcelo Rebelo de Sousa seguir com a SAOM - Serviços de Assistência Organizações de Maria para outro ponto da cidade, Henrique, “só Henrique”, abeira-se para apresentar a sua “reivindicação”. Sem estratégias nem planos, mas com o mesmo fim: “Estou muito feliz por esta sopa, mas o que eu queria mesmo era uma casa.”