Luísa Pinto, in Público on-line
Ainda só há 78 contratos assinados no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível. A diferença entre rendas e rendimentos é cada vez maior e afecta a cada vez mais territórios.
Desde que entrou em vigor, no passado dia 1 de Julho, o Programa de Arrendamento Acessível (PAA) ainda nem chegou aos 100 contratos de arrendamento em todo o país. Mesmo depois de o Governo ter prontamente admitido que iria demorar algum tempo para que este programa – que isenta os proprietários de impostos caso aceitem colocar no mercado os seus imóveis com rendas 20% abaixo da mediano dos preços praticados –, e de a secretaria de Estado da Habitação evidenciar que em média é submetido um novo contrato de arrendamento a cada dois dias, verdade é que até agora só há 78 contratos assinados.
E a inegável disparidade entre o número de alojamentos disponíveis e o de agregados familiares que se registaram na plataforma e com interesse em aceder, mantém-se. O número de agregados registados diminuiu para 5049 e há apenas 249 habitações disponíveis no programa.
Quando em Setembro deste ano o PÚBLICO divulgou o trabalho realizado por uma equipa de investigadores da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) que, com recurso às regras de acesso ao PAA e aos dados públicos disponíveis, simulou o seu comportamento para auscultar o mercado de arrendamento e medir o impacto que sobre ele teriam este e outros programas lançados pelo Governo, percebeu-se que o PAA era insuficiente para as famílias de Lisboa, Porto e Algarve. Três meses depois, e depois de actualizados os dados das rendas medianas do primeiro semestre de 2019 (que foram entretanto publicados pelo INE) e do IRS de 2017 (que substitui, nas contas feitas pelos investigadores, os dados de 2016), a situação não melhorou. Pelo contrário.
“Embora esta actualização tenha permitido aproximar a simulação do funcionamento real do programa (e atenuar o desfasamento entre rendas e rendimentos), o diagnóstico prévio persiste: existe uma inacessibilidade severa e em crescimento no actual funcionamento do mercado, onde a diferença entre rendas e rendimentos é cada vez maior e afecta a cada vez mais territórios”, conclui Aitor Vareo Oro, investigador do grupo Morfologias e Dinâmicas do território do Centro de Estudos em Arquitectura e Urbanismo da FAUP .
Recorde-se que o exercício em causa parte do cruzamento de dois tipos de dados: primeiro, a renda que, segundo o PAA, teria um T2 de 95 metros quadrados em cada município (e freguesia, quando possível) de Portugal continental; segundo, o valor mediano dos rendimentos brutos dos potenciais inquilinos. O resultado é uma representação do tecido habitacional do país a partir de duas rampas de cores: tons frios onde os valores não atingem o valor limite de 35% de taxa de esforço, tons quentes onde o fazem. Ou seja, quanto mais vermelho escuro for a mancha, mais difícil é aceder à habitação.
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No estudo publicado em Setembro foram escolhidas as “rendas acessíveis” (para fazer um retrato do potencial impacto do PAA); desta vez, o baixo nível de adesão ao programa até à data sugeriu escolher as rendas de mercado calculadas em linha com os critérios do PAA (para fazer um retrato do mercado de arrendamento).
O esforço de tentar mapear o desfasamento entre rendas e rendimentos a partir do número de meses de ordenado que faltariam (ou sobrariam) a um agregado fiscal mediano para aceder ao já referido T2 tipo, dentro do município de residência, revela que as manchas de cor quente têm vindo a atingir vários territórios do país.
Tal como apurado em Setembro, os problemas graves de acesso ao arrendamento permanecem no Porto, em Lisboa e no Algarve. “As duas grandes cidades do país parecem estar a repetir dinâmicas de mercado que, já conhecidas em outras cidades europeias, contaminam as periferias com o aumento do valor fundiário experimentado nos centros urbanos”, nota Aitor Varea Oreo. Por exemplo, na freguesia de Campanhã seria preciso mais dez meses de salário para aceder a um imóvel nas condições impostas pelo programa, no Bonfim seria preciso mais 15 e na Foz mais 19. Em Lisboa a situação também piorou: na freguesia de Santa Clara faltam 14 meses de salário, na de Alcântara 22 e na de Santa Maria Maior há 27 salários a menos nos rendimentos medianos das famílias.
Mas estes problemas estão a alargar-se a outros territórios que não os centrais - tais como Évora, Leiria, Pombal, Santarém, Tomar, Figueira da Foz, Guimarães ou Barcelos onde o PAA ainda viabilizaria, em teoria, o acesso a uma habitação com taxas de esforço inferiores a 35% do rendimento bruto mensal, mas já com algumas limitações. E existem já outros territórios como Peniche, Setúbal, Santa Maria da Feira, Caldas da Rainha e Sines (para além de zonas de procura de alojamento por estudantes como Aveiro, Coimbra, Braga) onde baixar em 20% o valor dos arrendamentos - como prevê o programa - já não resolve os problemas de habitação, que estão a aumentar.
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A mancha de crescimento destes territórios “inacessíveis” é bem visível no mapa nacional, onde se representa graficamente a partir de que data é que o cruzamento das rendas medianas e dos rendimentos dos munícipes torna impossível aceder a uma habitação, mesmo com rendas abaixo da mediano do mercado. Esta análise só foi possível a partir do segundo semestre de 2017, período a partir do qual o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) passou a divulgar o valor mediano das rendas para habitação. Essa cor vermelha escura aparecia então nas varias freguesias de Lisboa, Porto e em muitos concelhos do Algarve. Durante o ano de 2018, começamos a ver esses problemas a chegar a outros concelhos limítrofes dessas áreas metropolitanas, mas também já a cidades como Aveiro e Setúba
No primeiro semestre de 2019, os problemas já chegaram a Braga e a Coimbra. E, comparando os dois mapas, em que um representa valores de mercado e o outro os valores acessíveis, e analisando a sua evolução, percebe-se que as cidades de Évora, Beja e Vila Real, já são inacessíveis aos munícipes dos respectivos concelhos. Nas três capitais de distrito, os munícipes recebem entre zero a três salários a menos para conseguir suportar as taxas de esforço imposta pelas regras do Programa de Arrendamento Acessível.