23.11.20

Crianças desenvolveram-se mais na pandemia

Christiana Martins, Expresso

Quase 40% dos pais viram nos filhos mais novos evoluções cognitivas acima do normal durante o confinamento

“A pandemia não fez doença mental nos mais novos. Claro que houve ansiedade, mas não foi um problema significativo e as famílias perceberam que têm competências para lidar com as adversidades e que até podem sair mais fortes disso.” Esta é a forma como Pedro Caldeira, pedopsiquiatra responsável pela Unidade de Primeira Infância do Hospital de Dona Estefânia (HDE), em Lisboa, resume a reação da maior parte dos mais novos ao impacto da covid-19. Diz que até houve ganhos, como o tempo a mais que as crianças passaram com os pais no confinamento. E que as queixas só aumentaram com o regresso às aulas presenciais.

Para Teresa Goldschmidt, presidente da Associação Portuguesa de Pedopsiquiatria da Infância e da Adolescência e diretora do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância e Adolescência do Hospital de Santa Maria, os maiores problemas foram sentidos nas famílias que já apresentavam fragilidades, mesmo antes da pandemia. “As crianças mostraram a sua capacidade de adaptação, que depende e muito do comportamento dos adultos que cuidam delas. A maioria das famílias que não têm problemas de pobreza até estreitaram os laços afetivos, mas o risco vai-se agravar daqui para a frente com o aprofundamento da crise económica, porque as diferenças sociais aumentam muito os efeitos da pandemia.”

Para balizar estas conclusões, os hospitais estão a braços com várias investigações. O Departamento de Pedopsiquiatria da Estefânia realizou um questionário telefónico durante o confinamento a 233 crianças e adolescentes, entre os três e os 17 anos, e a maioria revelou uma estabilização (60%) ou mesmo uma melhoria do quadro clínico (21%). Apenas 19% dos inquiridos sentiram um agravamento. Para 82%, não houve aumento da conflitualidade dentro da família. Os níveis de ansiedade na criança ou adolescente mantiveram-se os habituais (66%) ou até diminuíram (12%), mas 22% queixaram-se de que ficaram mais elevados.

Maioria das mães afirma que relação com filhos melhorou no confinamento

O questionário realizado pelo Centro de Estudo do Bebé e da Criança do HDE a 1885 pais e mães de crianças entre os 12 meses e os três anos tentou avaliar o impacto do confinamento na conciliação da vida familiar e profissional. A maioria das respostas foi dada por mulheres de 37 anos, com ensino superior e residentes em Lisboa e Vale do Tejo e revelou que, antes do confinamento, 78% trabalhavam por conta de outrem, 80% das crianças frequentavam creches e o adulto passava em média quatro horas com a criança. Com a obrigação de permanência em casa, o panorama: 34% não trabalharam, 46% passaram ao teletrabalho e 63% partilharam o cuidado da criança com o companheiro. A maioria (54%) afirmou que a relação com a criança melhorou. A quase totalidade (94%) disse ter partilhado novas experiências e 38% viram evoluções no desenvolvimento da criança, acima do seu ritmo normal.

Mais preocupante foi o resultado do estudo realizado em abril junto de 1750 grávidas: 26% reportaram sintomas de depressão, 45% de ansiedade e 38% de stresse, devido à norma da Direção-Geral da Saúde então vigente, que separava a mãe do pai no momento do parto. Resultados que, segundo Pedro Caldeira, representam “quase o dobro dos habituais”.

Também o Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância e Adolescência do Departamento de Pediatria do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, de que faz parte o Hospital de Santa Maria, desenvolveu vários estudos sobre o impacto da pandemia. Uma investigação com uma amostra de 502 crianças e jovens, seguidos na unidade, sobre modificações da rotina e alterações nos relacionamentos durante o confinamento revelou que embora a maioria (59%) tenha dito que não se sentiu mais triste, houve 28% que pioraram. Também no que toca à irritação, se 46% não sofreram alterações, 43% ficaram mais irritados. E houve 35% que viram agravados os problemas de relacionamento com os pais.

Os maiores problemas sentiram-se no padrão de sono, já que 45% revelaram alterações, sendo o atraso na hora de irem para a cama a mais comum (38%). A inatividade foi o traço marcante do confinamento, com 78,5% a diminuírem o exercício físico. Um quarto quase não praticou qualquer atividade física e 81% passaram mais horas à frente do ecrã. O estudo sublinha, no entanto, no confinamento as aulas foram online e que as redes sociais foram importantes “como forma de manter contacto com amigos”.

NÚMEROS

78%
das crianças mantiveram ou até diminuíram os níveis de ansiedade durante o confinamento


81%
das crianças e adolescentes que participaram num estudo do CHULN assumiram ter passado mais tempo à frente dos ecrãs