30.11.20

Porque ganham menos as mulheres?

Inês Pina, in Observador

Vários estudos mostram que a entrada de homens e mulheres no mercado de trabalho acontece de forma igualitária. Há um momento, contudo, em que tudo muda.

Quando 2020 nos bateu à porta, desabou sobre nós um terramoto pandémico que nos fez repensar o quotidiano. Que nos fez olhar para a espuma dos dias de uma outra forma. Ora, se no que nos toca mais diretamente, foi necessário um novo olhar, as questões mais profundas e mais estruturais precisam de continuar a ser discutidas com um olhar renovado: profundo e decisivo.

É estrutural a desigualdade entre homens e mulheres em vários campos da sociedade. E muito há a enfatizar sobre esta diferença. Mas foquemo-nos na famosa diferença salarial.

A mão-de-obra feminina chegou ao mercado de trabalho em força. Disso já não há dúvidas! Nas sociedades mais desenvolvidas já não há entradas proibidas. Desde a alta finança à engenharia, às medicinas, ao exército, à política, nenhuma profissão é proibida. As mulheres entraram e escancararam as portas.

Se no mercado laboral elas estão em força, muito se deve às universidades, onde elas são donas e senhoras. Desde o século passado que se inverteu a tendência. Há mais mulheres do que homens nas universidades. O caminho tem sido traçado e tem solidificado. Porém, a questão da diferença salarial mantém-se quase estagnada, mesmo depois de ouvirmos vários políticos a enfatizar nos seus discursos “tarefas iguais, salários iguais”.

Vários estudos mostram que a entrada de homens e mulheres no mercado de trabalho acontece de forma igualitária e que a trajetória se mantém sem diferenças de maior nos primeiros anos. Há um momento, contudo, em que a carreira profissional das mulheres fica estagnada, não as deixando chegar ao nível seguinte.

A dificuldade em atingir este nível seguinte, perdendo a corrida para os homens, coincide com a maternidade. Chegada a maternidade, a mulher “faz uma pausa” na carreira e isso, na cultura organizacional, determina a estagnação profissional. Enquanto o homem não é obrigado a parar para cuidar do bebé, a mulher para durante meses! Ou melhor, não são apenas meses, porque “cuidar da criança” ainda é uma atividade tida como quase exclusivamente feminina. É a mulher que acompanha os filhos ao médico, que os acompanha no percurso escolar e isso, na verdade, representa anos!

Sabendo, de antemão, desta “condição”, a cultura organizacional tende a “apostar” na carreira do homem pois este, sem a “obrigatoriedade” de fazer interrupções na carreira, reclea-se um “ativo” mais seguro.

Tudo isto acaba por condicionar a carreira profissional da mulher, deixando-a presa a determinados níveis profissionais e, em consequência, sem aumento de ganhos salariais. Quando a mulher constitui uma família monoparental, a perda de poder económico é ainda mais acentuada, criando e alimentando um ciclo de pobreza no feminino.

Como podemos contribuir para a diminuição deste gap social?

Com 12 milhões de habitantes, o Ruanda, um pequeno país africano é, segundo diversos indicadores, um dos países mais igualitários para as mulheres. Lidera em participação política e tem uma diferença salarial entre homens e mulheres particularmente baixa – apesar de estar em 158º de 171 paises no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Este equilíbrio aconteceu em consequência do genocídio da década de 1980. Perdida grande parte da mão-de-obra masculina, o Ruanda teve, por força das circunstâncias, de empoderar as mulheres. Mulheres que na política foram tomando um conjunto de decisões em prol da diminuição da desigualdade e que coloca hoje o país num dos lugares de topo no âmbito da igualdade de género.

A primeira-ministra da Islândia, Katrín Jakobsdóttir, foi eleita em 2017 e é a segunda mulher a ocupar esse cargo na história do país. A Islândia aprovou uma série de leis para reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres, garantir uma representação efetiva de mulheres nos cargos de topo das empresas e assegurar licenças de maternidade/paternidade partilhadas e pagas. Com estas medidas, a Islândia prepara-se para estilhaçar os telhados de vidro que as mulheres ainda sentem nas sociedades desenvolvidas. Desde 2000, pais e mães têm direito a dividir entre si nove meses de licença, recebendo 80 por cento do salário. As mães ficam três meses de licença, os pais outros três e os três meses restantes podem ser partilhados entre os dois.

A medida teve um impacto enorme. Hoje, 90 por cento dos pais islandeses tiram licença de paternidade e, desta forma, já não há discriminação na hora de contratar. Pais e mães param, indiscriminadamente, na hora da parentalidade. As mulheres têm, assim, a possibilidade de acesso a qualquer cargo e à progressão de carreira nas mesmas condições que os seus pares homens, passando esta a depender apenas do mérito e não do género.

São exemplos como estes, que nos podem conduzir no caminho para o fim da desigualdade salarial.