23.11.20

Que futuro para o ensino pós-pandemia? Governantes e especialistas procuram respostas

Nuno Rafael Gomes, in Público on-line

A conferência internacional online organizada pela Virtual Educa acontece nesta segunda e terça-feira. Ministro da Educação será um dos oradores. Especialistas prevêem modelos de ensino “híbridos” e personalizáveis, apontando ainda que o acesso à Internet deve ser gratuito na educação.

Uma escola não é, por si só, apenas um edifício: por detrás das paredes, “há cadeiras, mesas, letreiros com indicações, quadros”. Por isso, “o e-learning não é só dar um computador, estabelecer conectividade e dar aulas” — especialmente com as alterações que a pandemia da covid-19 trouxe à rotina de milhões de estudantes e professores espalhados pelo mundo, numa adaptação forçada e a “diferentes velocidades”. Mas, afinal, que hábitos de ensino e aprendizagem, iniciados durante o confinamento, permanecerão após a pandemia? E que preocupações devemos ter?

No “Fórum Global — Educação Conectada”, organizado pela Virtual Educa, governantes europeus e latino-americanos, empresas, investigadores e pedagogos procurarão responder a (e reflectir sobre) estas questões. A conferência virtual está marcada para estas segunda e terça-feira e substituiu o Congresso Global: o evento estava pensado para decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, participará na sessão “As políticas educativas na Europa”. A ele juntar-se-á o vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, e a ministra da Educação de Espanha, Isabel Celaá. O painel fica completo com Francesc Pedró, director do IESALC (Instituto de Educação Superior para América Latina e Caribe), da UNESCO.

Para Adelino Sousa, director executivo da organização, que estabelece a comparação entre edifícios e e-learning, “espera-se mais” do processo de digitalização do ensino. “O Virtual Educa fala há 20 anos sobre a importância da tecnologia. E agora, mais do que nunca, é uma necessidade falarmos sobre isto”, aponta. Muito porque as escolas “não tiveram tempo para se adaptar” ao salto tecnológico agora exigido.

Já Rui Grilo, director do sector de Educação da Microsoft para a Europa Ocidental, diz que a pandemia evidenciou, também, um outro problema: “É demasiado fácil para os governos continuar a gerir a educação como se a revolução tecnológica não existisse, como se pudéssemos ensinar com os mesmos recursos dos anos 70.”

O director do sector de educação da Microsoft para a Europa Ocidental, que participará no painel “Ecossistemas educativos digitais”, acredita que há “instrumentos ignorados” na escola do século XXI — não é por acaso que “os alunos agarram no telemóvel e conseguem descobrir tudo e mais alguma coisa”. Assim, acrescenta Adelino Sousa, o mundo digital em contexto escolar “tem de ser activo e interactivo”, acompanhando os alunos. Mas, mais uma vez, não se pense o smartphone apenas como recurso: há camadas a explorar e “estamos só na superfície”. “Se fizermos isso, estaremos a abandonar esta geração, porque não a ajudamos a ter pensamento crítico face à informação encontrada. É fácil a qualquer pessoa difundir informação fidedigna ou publicar o que lhe passar pela cabeça”, nota Rui Grilo.

O acesso à Internet “não deve ser uma mensalidade”

Juntar “instrumentos mais inovadores” aos habituais livros e PDFs poderá ser o caminho para uma “aprendizagem mais personalizada” na própria sala de aula. Até porque “o contacto físico e presencial nas instituições de ensino” continua a ser importante para o “desenvolvimento social e cognitivo dos alunos”. “Numa situação normal, penso que não haverá razão para que as instituições não tenham essa componente”, opina Rui Grilo; ainda assim, “há uma tendência para encontrar modelos híbridos”.

E isso poderá passar por plataformas desenhadas estritamente para o ensino e não para consumo usual. “Se a escola deixar ao livre-arbítrio de cada professor utilizar a plataforma que quiser, a receita para o desastre é total”, indica.

Em Abril, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) alertou para a possibilidade de se gerarem “perfis automáticos dos alunos, com informações sobre ‘as suas aptidões intelectuais e dados de saúde’”. Tal poderá “estigmatizar as crianças e jovens”, lia-se no conjunto de “orientações para utilização de tecnologias de suporte ao ensino à distância”. Para evitar essas situações, Rui Grilo sugere a utilização de plataformas “pensadas para organizações”, que requerem autenticação. Porque, “embora as pessoas reajam a momentos como este depressa, o melhor é escolher ferramentas adequadas”. E que permitam a consulta do livro de ponto ou a submissão dos trabalhos de casa, por exemplo.

Não chega definir metas, é preciso investir nas universidades

Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, espera que os discursos que venham a ser proferidos no “Fórum Global — Educação Conectada” se materializem em algo mais, que não sejam apenas “palavras inconsequentes”, mas se traduzam em “prioridades políticas” e “recursos humanos e financeiros”. A actual reitora do ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa) participará no painel “Reimaginar a Universidade”, marcado para terça-feira.

Para a reitora do ISCTE-IUL, a aposta na “qualificação dos recursos humanos” e na “robustez das instituições públicas” é essencial, uma vez que a pandemia revelou de “forma aguda” as “desigualdades, as fragilidades, os défices de recursos humanos” e os atrasos “nas tecnologias e nas questões do trabalho”.

Mas, nota Maria de Lurdes Rodrigues, “não chega estabelecer metas” para o ensino superior e apontar para a formação “de uma percentagem da população”. Isso “é muito importante, mas não pode estar descolado do investimento e dos recursos do Governo”, acrescenta. Para a ex-governante, as instituições de ensino superior são “simultaneamente conservadoras e inovadoras” — e é nessa justaposição que, ao mesmo tempo, se defendem e produzem “conhecimento e difusão de informação”. “O segredo da inovação está na sua grande autonomia e liberdade. E no pluralismo, na diversidade interna e na abertura ao mundo”, conclui.

Mas isso levanta mais uma questão: a igualdade de acesso à Internet. Jorge Sá Couto afirma que todas as tecnologias “devem ser equipadas com conectividade para que um aluno da aldeia mais remota possa usufruir dos mesmos conteúdos que um aluno do centro da cidade usufrui”.

Mais: “É importante que o acesso à Internet não implique uma mensalidade, mas que esteja incluída no projecto”, frisa o presidente da JP Inspiring Knowledge (JP.IK), que dividirá o painel com Rui Grilo e com Cigdem Ertem (directora global das vendas para o sector público da Intel). Ou seja, quando se pensam projectos pedagógicos que envolvem tecnologias, é preciso garantir que aos alunos não é dado apenas um computador ou um tablet, mas que quando os levam para casa vão conseguir usá-los. Adelino Sousa recorda, nesse contexto, uma conversa com Miguel Ángel Cañizales, ex-ministro da Educação do Panamá, um dos oradores do Fórum Global: “Se o direito à educação é universal, então há muitos países a violarem a sua constituição”.

O evento (basta a inscrição neste link) contará com participações de oradores de vários países, o que permitirá que se observem as diferentes velocidades na digitalização do ensino em territórios distintos. “Portugal e Espanha estão muito próximos nesse sentido”, diz o director executivo da Virtual Educa, referindo ainda que “ambos têm uma agenda para a transformação digital a nível da educação, da economia e do próprio governo, mas cada um com as suas especificidades”. “A União Europeia está a fazer um bom papel e os governos estão a seguir, mas é muito diferente do que se passa na América Latina”, aponta.

O congresso mundial, organizado pela Virtual Educa, adiado por duas vezes, será concretizado entre 3 e 5 de Março. No fórum online desta segunda e terça-feira, participarão ainda o secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, bem como João Costa, secretário de Estado da Educação.