30.11.20

Teletrabalho. Faz sentido tributar mais os profissionais?

Cátia Mateus, in Expresso

O Deutsche Bank está a defender a criação de um imposto adicional para quem está em teletrabalho. Patrões, sindicatos, advogados e investigadores alertam para os riscos desta opção

Retirar a quem está em teletrabalho e ganha mais para dar a quem não pode gozar deste benefício e tem o seu emprego em risco. É este o princípio que está na base de uma proposta recente do Deutsche Bank que apanhou de surpresa patrões e sindicatos. O banco alemão propõe tributar os profissionais em teletrabalho, num valor correspondente a 5% do seu salário ilíquido, para depois usar essa receita para apoiar os trabalhadores com baixos salários que não podem trabalhar remotamente ou aqueles que perderam o emprego. Sindicatos e patrões dizem que o princípio da solidariedade é bom, mas que não dever ser imputado aos trabalhadores.

“Há anos que precisamos de um imposto sobre os trabalhadores remotos — a covid tornou isso óbvio.” É desta forma que Luke Templeman, economista do Deutsche Bank que assina a proposta sustenta a ideia de que é preciso tributar os profissionais em teletrabalho. Diz Templeman que “aqueles que podem trabalhar remotamente, a partir de casa, têm benefícios financeiros diretos e indiretos” e que, por isso, “devem ser tributados para facilitar o processo de transição para aqueles que perderam o emprego” ou que ganham baixos salários.

O economista sustenta que um trabalhador que possa trabalhar a partir de casa consegue poupar em deslocações, alimentação, roupa e outros gastos que um trabalhador presencial não consegue eliminar. Além disso, sinaliza, contribui menos para a economia.

É por isso que o economista do banco alemão defende como justa a criação de uma tributação adicional — da qual ficariam isentos os trabalhadores com remuneração ao nível do salário mínimo, independentes, jovens em início de carreira — que, acredita, face à poupança que conseguem fazer por estar em trabalho remoto, que não prejudicaria os trabalhadores.

IDEIA NÃO REÚNE CONSENSO

Mas entre patrões, sindicatos e o próprio Governo a ideia parece não colher frutos. O Expresso sabe que o Governo não têm, para já, intenção de colocar este tema em cima da mesa. Mesmo que tivesse, teria sempre de passar pelo crivo de patrões e sindicatos, em sede de concertação social. E nem uns nem outros acham a ideia viável.

“Não vejo porquê sobrecarregar com mais impostos determinados profissionais, independentemente da sua natureza ou regime em que trabalham, para apoiar outros”, defende António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) que tem dúvidas que a ideia seja viável. O presidente da CIP reforça que “o Governo certamente não quererá introduzir mais ruído numa equação já de si complexa como a do teletrabalho”.

Entre os sindicatos, Sérgio Monte, secretário-geral-adjunto da UGT, considera “absurdo ir por este caminho quando sabemos que o teletrabalho introduziu novos fatores de stresse aos profissionais”. Recorda ainda que “o objetivo de ajudar quem tem salários mais baixos é fantástico, mas não me parece que tenham de ser os restantes trabalhadores remotos a pagar esse apoio”.

E, na verdade, a ideia pode até ser barrada pela própria legislação. A advogada Rita Garcia Pereira diz que a medida seria inconstitucional e “violaria o Código do Trabalho que define que um profissional em teletrabalho tem os mesmos direitos que os demais”. Ou seja, “não se pode imputar um imposto a estes trabalhadores que não seja aplicado aos restantes”.

Também Tiago Santos Pereira, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador da linha de investigação em Teletrabalho do CoLabor, tem dúvidas sobre a justiça de onerar os teletrabalhadores. O especialista recorda que nem sempre os teletrabalhadores têm remunerações elevadas ou funções à prova de desemprego. Acrescenta ainda que “há maior vulnerabilidade no campo da saúde mental e da discriminação na progressão na carreira e nos salários”. Por outro lado, acrescenta, mesmo na poupança que é imputada às empresas como consequência do teletrabalho é preciso cautela na análise. “O teletrabalho implica uma reorganização de processos, formação de chefias, o que significaria necessidade de investimento por parte das empresas.”