30.11.20

Aumento do trabalho doméstico não-remunerado pode empurrar 469 milhões de mulheres para a pobreza extrema

Gabriel Ribeiro, in Visão

Pandemia agravou desigualdade de género e consequências económicas para as mulheres, diz a ONU

Por todo mundo, a pandemia de Covid-19 está a obrigar as pessoas a ficar mais em casa. Como resultado, o trabalho doméstico não-remunerado aumentou, tanto para os homens como para as mulheres. Ainda assim, são elas que estão a gastar mais tempo nas lidas de casa, como limpezas, cuidar dos filhos e cozinhar. “Tudo pelo qual trabalhamos, que levou 25 anos, pode ser perdido num ano”, avisa a vice-diretora executiva da ONU Mulheres, Anita Bhatia, à BBC.

Um novo estudo da ONU Mulheres, realizado em 38 países do mundo, confirma “de forma esmagadora” que as mulheres e os homens aumentaram a sua carga de trabalho doméstico não-remunerado, mas são “as mulheres que estão a fazer a maior parte”. A tendência, contudo, já vinha de trás: antes da pandemia, elas gastavam três vezes mais horas em trabalho doméstico do que eles. “Se (o número de horas) era três vezes maior quando comparado com o dos homens antes da pandemia, então garanto que (agora) esse número tenha, pelo menos, duplicado”, diz Bhatia. O relatório conclui ainda que os pais são mais ajudados pelas filhas do que pelos filhos neste tipo de tarefas.

O aumento do trabalho doméstico durante a pandemia revelou-se ser também um problema com consequências económicas. “É preocupante que mais mulheres do que homens estejam a deixar a força de trabalho, talvez como resultado dessa carga de trabalho maior”, diz o estudo. É expectável que as perdas de emprego e de meios de subsistência agravem o fosso da pobreza entre os géneros. “No final deste ano, 13% das mulheres e meninas do mundo – 469 milhões de pessoas – viverão em pobreza extrema”.

A vice-diretora executiva da ONU Mulheres utiliza o exemplo dos Estado Unidos para explicar a gravidade do fenómeno: “Só no mês de setembro, nos EUA, cerca de 865 mil mulheres abandonaram a força de trabalho em comparação com 200 mil homens. Isso pode ser explicado pelo facto de que havia uma grande carga de cuidados e não havia mais ninguém por perto”.

De acordo com o documento, as mulheres têm mais probabilidade de aumentar as horas em tarefas domésticas, tais como cozinhar e servir refeições, limpar, fazer compras para a família e decorar ou reparar a casa, mas no cuidado de animais domésticos ganham os homens. Em casa, a tendência é que tanto elas como eles ajudem no cuidado a outros membros, mas ainda assim há tarefas em que as mulheres gastam mais tempo: cuidar das crianças, ensiná-las, brincar com elas e prestar auxílio emocional. Já os homens estão mais propensos a ajudar os mais velhos.

Pelo mundo, os governos foram ajudando as famílias e a ONU Mulheres ressalva algumas iniciativas. A Argentina, por exemplo, aumentou o pagamento da pensão mensal por filho, a Austrália e a Costa Rica garantiram que as creches permanecessem abertas em tempo de confinamento e a Áustria, Chipre e Itália concederam licença familiar adicional para pais que trabalham, entre outros exemplos.