27.11.20

Os pobres, esquecidos pela esquerda e pela direita

Henrique Raposo, opinião,  in Expresso

A direita clássica tem de dar um passo em frente e dizer, A globalização não pode continuar a ser brilhante para o operário chinês e apocalíptica para o operário do Ohio ou de Vila Franca de Xira. Na mesma medida, a esquerda tem de mudar o seu foco da identidade racial para a pobreza.

Há dias, um amigo explicava-me que vota PCP porque considera que a classe e a pobreza continuam a ser as variáveis centrais. Existem outras, mas esta questão social é para ele fundamental, até porque tem sido esquecida pela esquerda deste século. Eu disse-lhe que concordo e que é por isso que sempre votei AD, porque sei que o pobre não sai da pobreza através de prestações como o RSI; a superação da pobreza é feita através das oportunidades de trabalho geradas por um capitalismo popular

Não, não quero voltar à discussão do século XX entre Estado e mercado. Eu acho que a melhor ferramenta para elevarmos pessoas da pobreza é o mercado, o meu amigo acha que essa ferramenta é o Estado. Tudo bem, avante. O meu ponto nesta coluna é outro. Na passagem do XX para o XXI, a esquerda (Estado) e a direita (mercado) deixaram de pensar nos pobres. A esquerda não pensa na pobreza, só pensa em raça e identidade. Por sua vez, nestes vinte anos de capitalismo à websummit, o mercado da direita destruiu o capitalismo popular que fez a glória da segunda metade do século XX; o capitalismo refugiou-se em cidadelas douradas, excluindo o povo dos ganhos. E o fim do capitalismo popular determinou a ascensão do populismo.

A direita clássica tem de dar um passo em frente e dizer, A globalização não pode continuar a ser brilhante para o operário chinês e apocalíptica para o operário do Ohio ou de Vila Franca de Xira. Na mesma medida, a esquerda tem de mudar o seu foco da identidade racial para a pobreza. O indivíduo x não pode deixar de ser branco. É uma biologia imóvel. O indivíduo y não pode deixar de ser negro. Mas são ambos pobres e podem deixar de ser pobres através de um capitalismo popular e de políticas públicas pensadas para a emancipação do pobre, e não para a proteção cultural de uma minoria étnica.

Se direita e esquerda não mudarem as agulhas, vamos ser engolidos por sucessivos Trumps de esquerda e de direita, por aqueles ismos, velhos ou novos, que terraplanam a realidade e a liberdade com um ressentimento mecanizado e instrumentalizado.