Pedro Araújo, in Diário de Notícias
A economia está a crescer, mas mostra-se ainda incapaz de diminuir o volume relativo daqueles que não conseguem reintegrar-se rapidamente. Empresas preferem contratar a prazo e não investem na formação
O crescimento da economia e a rápida queda do desemprego têm surpreendido tudo e todos. Mas a retoma parece, em grande parte, passar ao lado de quem não tem trabalho há mais de um ano: o peso do desemprego de longa duração (mais de 12 meses) no total de desempregados ultrapassou 59,2% no segundo trimestre deste ano, bem acima dos 52,9% dos primeiros três meses de 2011, pouco antes da chegada da troika a Portugal. Na zona euro, em 2016, pior só na Grécia, na Eslováquia e em Itália. A média da OCDE era de 30,5%.A falta de investimento em formação, quer pelas empresas quer pelos próprios trabalhadores, é uma das razões para o elevado desemprego de longa duração.
A taxa de desemprego caiu para 8,9%, depois de ter atingido um recorde de 17,5% no início de 2013. Ao todo, no segundo trimestre deste ano, havia 461,4 mil desempregados, dos quais 273,2 mil (59,2%) estavam sem trabalho há mais de um ano. Pior, segundo o INE, 70% destes últimos estavam sem trabalho há mais de 24 meses (muito longa duração); eram 55,6% há seis anos.
"Um dos elementos mais gravosos da evolução do mercado de trabalho português nos últimos anos tem sido o nível elevado de desemprego de longa duração, que origina uma depreciação acentuada do capital humano, com efeitos adversos no crescimento potencial da economia", alerta o Banco de Portugal.
O banco liderado por Carlos Costa prevê que a economia portuguesa cresça 2,5% neste ano. É mais otimista que o próprio executivo de António Costa, que só apontava para 1,8%. Mas o Banco de Portugal alerta precisamente para o perigo de o desemprego de longa duração ser um travão, entre outros, ao crescimento do PIB. "O nível do PIB em 2017 é 1,5% inferior ao de 2008", sublinha o banco central, acrescentando que o PIB deve crescer menos na segunda metade do ano (2%), contra 2,9 no primeiro semestre.
Para Américo Azevedo, professor da Faculdade de Engenharia do Porto e especialista em questões ligadas ao desenvolvimento da indústria, há duas explicações fundamentais para o grande peso do desemprego de longa duração: o crescimento no passado de setores como a construção civil, que criaram empregos insustentáveis, e, por outro lado, a aposta das empresas em contratar preferencialmente a termo, descurando por esse motivo o investimento na formação dos trabalhadores. O peso dos contratos sem termo passou de 78,7%, no terceiro trimestre de 2013 já sem troika para 77,9%, no segundo trimestre deste ano, enquanto os vínculos a prazo aumentaram de 17,49% para 18,51%.
"Tivemos um crédito fácil, nos anos 1990, e houve incentivos à produção de bens não transacionáveis, criando-se aí emprego que depois não foi mantido. O aumento do desemprego estrutural [de longa duração] é o resultado. Por outro lado, a maior parte das empresas prefere funcionários temporários, não investindo neles. Mas não se investe no capital humano também porque o endividamento das empresas é grande", refere.
"No fundo, há dois grandes problemas que impedem maior criação de emprego: a escassa autonomia financeira das empresas, que deriva do alto endividamento, e a fraca qualidade da gestão. É claro que parte da responsabilidade recai sobre o próprio trabalhador, que não assume como natural a aprendizagem ao longo da vida. Vê-se no desemprego sem ter tido a preocupação de ir adquirindo novas competências. A reintegração no mercado de trabalho pode ser muito difícil para quem não apostou na formação", conclui Américo Azevedo