12.10.17

Pena de morte afeta desproporcionalmente os mais pobres, dizem relatores da ONU

in ONUBR

Especialistas da ONU pediram medidas urgentes para acabar com o impacto desproporcional da pena de morte sobre os mais pobres. Eles afirmaram que impor a pena capital como resultado de discriminação constitui execução arbitrária, e os governos não devem ser passíveis a isso. Os comentários foram feitos para o Dia Mundial contra a Pena de Morte, lembrado em 10 de outubro.

Segundo os especialistas, pessoas que vivem na pobreza são mais afetadas pela pena de morte por serem alvos fáceis para a polícia, não poderem pagar advogados, terem acesso somente a assistência jurídica gratuita de baixa qualidade, entre outros fatores.

Especialistas em direitos humanos das Nações Unidas pediram na semana passada (6) medidas urgentes para acabar com o impacto desproporcional da pena de morte sobre os mais pobres. Eles afirmaram que impor a pena capital como resultado de discriminação socioeconômica constitui execução arbitrária, e os governos não devem ser passíveis a isso. Os comentários dos relatores foram feitos para o Dia Mundial contra a Pena de Morte, lembrado em 10 de outubro.
“Se você for pobre, as chances de ser condenado à morte são imensamente maiores do que se você for rico. Não poderia haver maior crítica à pena de morte do que o fato de que, na prática, trata-se de uma pena reservada a pessoas de grupos socioeconômicos mais baixos. Isso a transforma em uma forma de discriminação baseada em classe na maioria dos países, tornando-se assim o equivalente a uma execução arbitrária”, disseram os relatores.

Segundo os especialistas da ONU, pessoas que vivem na pobreza são desproporcionalmente afetadas pela pena de morte por muitas razões. Elas são alvos fáceis para a polícia, não podem pagar advogados, a assistência jurídica gratuita que recebem é de má qualidade, obter provas de peritos está além de seus meios, rastrear testemunhas é custoso demais, e a capacidade de entrar com recursos geralmente depende de poder arcar com advogados extras. “Muitos não podem pagar fiança e, portanto, permanecem sob custódia antes do julgamento, dificultando ainda mais seus esforços em preparar uma defesa efetiva”, disseram.

Alguns sistemas legais de apoio só se tornam ativos durante o julgamento, o que significa que os réus de classes mais baixas são frequentemente interrogados e investigados sem advogados. O momento em que o caso chega aos tribunais pode ser tarde demais para garantir um julgamento justo. A corrupção de oficiais da lei é outro fator prejudicial, alertaram.

A pobreza também compõe os obstáculos que os grupos vulneráveis e desfavorecidos da sociedade já enfrentam. Em muitos países, isso inclui especialmente pessoas afrodescendentes, assim como outras que são discriminadas com base em gênero, etnia, raça e status de migração.

Paralelamente, migrantes que se veem envolvidos com o sistema de Justiça criminal enfrentam múltiplos obstáculos para se defender frente as acusações, incluindo falta de familiaridade com a linguagem e procedimentos legais, limitado conhecimento de seus direitos, restrições financeiras e a possível falta de uma rede social de apoio.

Eles também podem enfrentar preconceito por parte de juízes, policiais e investigadores, que podem influenciar o veredicto de forma contrária aos réus, o que os deixa especialmente vulneráveis à sentença de morte, disseram os especialistas.

“Pedimos que todos os Estados tratem todos os migrantes envolvidos nos sistemas de justiça criminal com respeito e dignidade e como detentores de direitos iguais, independentemente de sua situação migratória”, afirmaram.

Mulheres vivendo na pobreza também estão em severa desvantagem quando enfrentam o risco de pena de morte. Em alguns países, as mulheres enfrentam a pena capital, incluindo por apedrejamento, não apenas em casos de assassinatos, como em caso de suposto adultério, relacionamentos homossexuais e acusações relacionadas ao tráfico de drogas.

A discriminação contra as mulheres envolve diversos fatores, incluindo sua situação socioeconômica. Essa discriminação baseada em estereótipos de gênero, estigma, normas culturais danosas e patriarcais e violência baseada em gênero tem impacto adverso na capacidade das mulheres de ter acesso à Justiça em bases iguais aos dos homens.

“Também estamos preocupados com o fato de ser extremamente raro que relatos de abusos domésticos sejam tratados como fatores mitigadores. Impor a pena de morte em casos onde há evidência de legítima defesa constitui execução arbitrária”, declararam.

A pobreza continua a afetar os prisioneiros e suas famílias mesmo depois de eles chegarem ao corredor da morte. As condições são agravadas pelas dificuldades de acessar alimentos, cuidados médicos e outros serviços. Os familiares que também vivem na pobreza são incapazes de fornecer ajuda financeira. Esses detentos podem até mesmo não ter recursos para manter contato com suas famílias e amigos enquanto estão na prisão.

Em todo o mundo, sentenças de morte continuam sendo impostas em violação aos principais padrões internacionais, incluindo o direito a um julgamento justo e o princípio de não discriminação. O Pacto Mundial sobre os Direitos Civis e Políticos deixa claro que todas as pessoas têm direito à igual proteção da lei sem discriminação, enquanto as salvaguardas da ONU sobre o uso da pena de morte deixam claro que as pessoas devem ter recebido um julgamento justo, incluindo o direito à assistência jurídica adequada, em todas as etapas. “O impacto desproporcionado da pena de morte sobre os pobres mostra que esses padrões internacionais estão sendo violados”, afirmaram.

“Aplaudimos o crescente número de países que aboliram a pena de morte e acolhemos os números de 2016 que mostram uma diminuição geral de seu uso. No entanto, o esforço global para a sua abolição progressiva deve continuar, juntamente com o trabalho para acabar com a discriminação sistêmica contra algumas das pessoas mais vulneráveis em nossas sociedades”, concluíram os especialistas.

Os relatores que assinaram a declaração foram Agnes Callamard, relatora especial para execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias; Felipe González Morales, relator especial para os direitos humanos dos migrantes; Philip Alston, relator especial sobre extrema pobreza; e Mutuma Ruteere, relatora especial sobre racismo.