Sara de Melo Rocha, in TSF
Phillipe Van Parijs, um dos maiores defensores do Rendimento Básico Incondicional, esteve em Lisboa para falar sobre desigualdades no 7.º encontro anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Para falarmos de Rendimento Básico Incondicional (RBI) temos de recuar até ao século XVI. Em "Utopia", Thomas More defendeu um rendimento básico para os pobres. Mais tarde, Milton Friedman voltou a abordar o tema no livro "Capitalismo e Liberdade" mas o tema está a ganhar força ultimamente, sobretudo desde que a Finlândia decidiu testar a teoria.
Durante dois anos, dois mil finlandeses desempregados vão receber um rendimento de 560 euros mensais em troca de nada. Esta é a base do RBI. Cada cidadão tem direito a um subsídio, simplesmente por existir.
O belga Philippe Van Parijs, especialista em filosofia política e económica e um dos defensores contemporâneos mais acérrimos do RBI, explica que o conceito assenta em três características fundamentais. É individual, universal e incondicional.
Sara de Melo Rocha conversou com o filósofo Philipe Van Parijs.
Primeiro, "é estritamente individual. Não é necessário saber com quem vive para determinar se tem direito ou não a recebê-lo. Segundo, é universal no sentido em que é dado tanto aos pobres como aos ricos. Não é necessário saber quanto ganha para determinar se tem direito ou não a recebê-lo. E terceiro, é incondicional no sentido que é livre de obrigações. É-lhe dado mesmo que possa trabalhar mas tenha decidido criar os seus filhos ou tenha parado para estudar ou tenha decidido fazer uma pausa no trabalho", explicou.
Philippe Van Parijs admite que a ideia possa causar um revirar de olhos entre muitos mas garante que é possível financiar este rendimento. O filósofo defende a eliminação de todos os subsídios abaixo do valor do rendimento básico incondicional e a substituição da isenção de impostos das camadas mais baixas pelo rendimento básico de forma a financiar o RBI.
Cada português receberia cerca de 300 euros
O montante do RBI difere de país para país e é determinado através do PIB nacional. "Os níveis que temos em mente para uma implementação imediata rondariam os 15% do PIB per capita. Os 560 euros da Finlândia estão um pouco acima disso mas, a começar com valores mais modestos, em Portugal poderia ser algo à volta dos 300 euros".
Van Parijs deixa claro que o RBI não substitui todos os elementos do Estado Social como o subsídio de desemprego, as pensões por invalidez e reforma. "Se alguém receber 700 ou 800 euros de subsídio de desemprego, essa pessoa receberia 300 ou 400 euros de rendimento básico de forma incondicional e depois haveria um complemento que seria condicional e estaria dependente da disponibilidade para trabalhar porque faz parte de um subsídio de desemprego", exemplificou.
O RBI surge como combate à pobreza mas Van Parijs garante que se trata sobretudo de um instrumento de liberdade que vai para além do modo de vida que temos hoje.
"O rendimento básico é algo que te dá a liberdade de dizer 'sim' a certas atividades, incluindo trabalho mal pago porque liberta as pessoas da armadilha do desemprego". O filósofo explicou que, nas atuais circunstâncias, um desempregado que aceite um emprego em part-time, perde o subsídio de desemprego. "Já o rendimento básico ajudaria as pessoas a encontrar trabalho em vez de os aprisionar a uma situação de desemprego", defendeu. Van Parijs argumentou que o RBI concederia também "mais liberdade para dizer 'não' a alguns empregos".
A ameaça do trabalho automatizado
Mas se todos fazem um trabalho que gostam, quem faz afinal os trabalhos que ninguém quer? Van Parijs prevê que muitos trabalhos passem a ser automatizados e substituídos por robots. Relativamente ao trabalho impossível de automatizar, o filósofo acredita que os empregadores terão de "melhorar a qualidade desse emprego", através de melhores condições e salários mais elevados.
Philippe Van Parijs explica que o direito ao trabalho vai deixar de ser uma imposição, direcionando os cidadãos para fazerem aquilo que querem mesmo fazer. Mas como evitar que as pessoas deixem simplesmente de trabalhar?
"Creio que há um medo de que as pessoas deixem de trabalhar, um medo provavelmente criado por pessoas que têm receio de ter de começar a contribuir para o rendimento básico. Mas o direito e o dever de trabalhar não será abolido com a introdução do rendimento básico", argumentou.
Mas afinal todos recebem?
Um dos problemas do RBI é poder motivar uma corrida oportunista ao subsídio por parte de estrangeiros. Philippe Van Parijs explica que para proteger o sistema o rendimento teria de ser barrado a estrangeiros, mas numa Europa de Schengen como controlar? Van Parijs explica que a solução chama-se eurodividendo. "Não está restrito a cidadãos europeus mas sim a residentes fiscais na União Europeia ou nos países membros da zona euro. Seria financiado pelo IVA a nível europeu e estaria protegido contra migração interna porque para onde quer que você fosse, receberia".
O filósofo belga defende que o eurodividendo teria um papel importante em termos de estabilizador macroeconómico para a sustentabilidade do euro. "Seria também também um estabilizador demográfico, de forma a reduzir a imigração de países mais pobres como a Roménia e a Bulgária e ajudaria a dar legitimidade à União Europeia", acrescentou.
Philippe Van Parijs defende que agora é tempo para pensar sobre a ideia, criar coligações entre visionários, impulsionadores de mudanças e políticos.
O filósofo belga admite que é um trabalho difícil mas defende que um dia o RBI será dado como adquirido. "Um dia nos perguntaremos como é que vivemos tanto tempo sem o benefício universal, da mesma forma que nos questionamos hoje como foi possível viver tanto tempo sem o sufrágio universal", rematou.