in Diário de Notícias
"A Resistência", romance que valeu a Julián Fuks o Prémio José Saramago, vai dar lugar ao sofrimento, à miséria e à pobreza em "Ocupação", o próximo livro do escritor brasileiro, que espera lançar a nova obra no final de 2018.
"Uma ocupação do centro de S. Paulo por moradores sem teto", com os quais Julián Fuks foi convidado a viver algum tempo, é o ponto de partida do próximo livro do autor, que, em entrevista à agência Lusa, disse hoje querer escrever sobre "a globalização do sofrimento".
Ainda "numa fase muito inicial", o livro, intitulado "Ocupação", não se limitará a retratar "a pobreza brasileira", abordando antes "um sistema global que fere iniquidades e desigualdades", adiantou o escritor que, na obra, refletirá sobre a imigração e os refugiados "sírios e de países da América Latina, como o Peru ou o Uruguai", disse à Lusa.
Defensor de "uma literatura em diálogo franco com a realidade do mundo", Julián Fuks não se dobra a imperativos de que "a literatura tenha de ser política, ou uma peça de resistência", título da obra que lhe valeu este ano o prémio José Saramago, anunciado na passada quarta-feira.
No caso de "Ocupação", porém, Julián Fuks assume "essa posição" de denúncia de uma miséria global, por considerar que "há alturas em que a forma da literatura resistir é precisamente se desentender desse mundo presente, e se transformar em outra forma de transcendência".
O escritor brasileiro falou hoje com os leitores do Folio - Festival Literário Internacional de Óbidos, sobra a carreira em que já conta com vários prémios, admitindo que escrever é para si "um imperativo" expresso nos livros em que já exorcizou "fantasmas dos outros" e os seus.
Sobretudo no último livro, "A Resistência", em que desenvolve a história de sua família, oriunda da Argentina, de onde partiu em 1976, quando se deu o golpe de Estado que derrubou a Presidente María Estela Perón, e instaurou o poder ditatorial de uma junta militar, que governou o país com grande violência até dezembro de 1983.
O autor não larga "um parágrafo enquanto ele não estiver completamente resolvido", assumiu hoje à Lusa.
Confessou sentir "uma pressão paradoxal", quanto ao prémio, que encara com "a responsabilidade de escrever mais e melhores livros": por um lado, o público "exige mais livros", por outro, precisa "do tempo da reclusão e da escrita", para acabar a narrativa que admite poder vir a lançar em Portugal, no Folio do próximo ano.
Antes, porém, Julián Fuks, vai andar por Óbidos, "num diálogo com outros autores e o público" que ajudam a avaliar "o que ainda é pertinente escrever" e qual o papel da literatura no contexto atual.
No sábado, o escritor conversa com Ana Margarida de Carvalho, também recém-distinguida com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, pela obra "Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato". Os dois autores vão cruzar-se na mesa dedicada a "Os náufragos e os resistentes", moderada pela jornalista Ana Sousa Dias.
Julián Fuks, filho de pais argentinos, nasceu em São Paulo, Brasil, em 1981.
Publicou o primeiro livro, "Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu", em 2004, tendo ganhado o Prémio Nascente da Universidade de São Paulo.
Em 2007 e 2012, foi finalista do Prémio Jabuti, com os livros "Histórias de Literatura" e "Cegueira", respetivamente. O autor foi também finalista do Prémio Portugal Telecom, atual Oceanos, e do Prémio São Paulo de Literatura, com "Procura do romance".
"A Resistência" é o seu quarto romance, com o qual recebeu o Prémio Jabuti Melhor Romance, colocando-o ainda entre os finalistas do Prémio Oceanos, no ano passado, e garantindo-lhe a Menção Honrosa no Prémio Rio de Literatura.
A revista Granta apontou-o como um dos vinte melhores jovens escritores brasileiros.
Sob o tema "Revoluções Revoltas e Rebeldias" o Folio desenvolve-se em cinco capítulos - Autores, Folia, Educa, Ilustra e Folio Mais.
Vinte e nove mesas de autores, dez exposições, 15 conversas e um seminário internacional marcam o programa da terceira edição do festival que se prolonga até domingo.