16.7.18

No endividar-se é que pode estar o ganho!

António Bagão Félix, in Público on-line

A lei agora aprovada é, mais uma vez, uma vitória da política circunstancial, da visão de curto-prazo e de agrado populista.

Há abordagens económicas que contrariam o senso comum. A questão é ainda mais estranha quando se transformam em leis. Refiro-me concretamente à aprovação parlamentar de um diploma que instituiu a obrigatoriedade de as instituições bancárias reflectirem totalmente e em todas as circunstâncias a descida da taxa Euribor nos contratos de crédito à habitação. Até agora esta descida tinha como limite a taxa de 0%. A partir desta lei, pode haver juros negativos sempre que o valor do spread contratualizado seja inferior à taxa (negativa) Euribor que serve de referência no mútuo. Nestas circunstâncias, ficou previsto que o valor a pagar pelo banco ao cliente devedor constitua um crédito que será abatido quando os juros a pagar passarem a ter um valor positivo.

Há um ponto que, em qualquer caso, importa assinalar: nos contratos de crédito à habitação em curso à data da entrada em vigor da lei, as alterações previstas aplicar-se-ão apenas às prestações vincendas e não já vencidas.
O Presidente da República promulgou a lei em 29 de Junho, referindo que assim fez tendo em consideração “o consenso político alargado” (foi aprovada na AR com votos favoráveis de todos os partidos, excepto do PSD que se absteve…), chamando, porém, a atenção para “a necessidade de ajustamentos de vária ordem, técnicos e jurídicos”.

METÁFORA: o dinheiro é uma metáfora, porque quase sempre é uma coisa que significa outra coisa…
Não colocando aqui a questão em termos quantitativos, o bizarro de tudo isto é que não faz qualquer sentido que a instituição de crédito possa ter de pagar a quem emprestou, erodindo completamente a noção de remuneração de risco inerente a um contrato de mútuo.

Ao mesmo tempo e numa conjuntura como a actual, quem tem as suas poupanças num banco além de nada receber (em depósitos à ordem e tendencialmente a prazo, em termos líquidos de IRS), ainda pode ter de pagar sob a forma de comissões de vária ordem (manutenção, transferências, etc.), em regra regressivas, pagando percentualmente mais quem menos tem.

Em suma, casos haverá em que quem deve ao banco é remunerado e quem poupa tem de pagar! Até tinha piada se fosse uma anedota. Mas não, é mesmo lei.

Tanto quanto se sabe (e foi referido pelo Banco de Portugal) não existem nem foram desenvolvidas, no espaço da União Europeia, “iniciativas legislativas ou regulamentares destinadas a fixar orientações expressas quanto à forma de aplicação das taxas de juro negativas nos contratos de crédito à habitação”. A vice-governadora afirmou mesmo que “são águas nunca dantes navegadas”.